Por Andréia C. K. Mortensen
Revisão de Luciana FreitasDiagnóstico precipitado de "pouco leite", “baixo peso” e introdução precoce de leite artificial
Produção insuficiente de leite materno e baixo ganho de peso do bebê são queixas muito frequentes entre as mães. Geralmente a solução apresentada para esses casos por pediatras e outros profissionais da saúde é a introdução de leite artificial.
Porém, antes de diagnosticar essas duas situações, é preciso prestar atenção nos seguintes pontos:
1) Importantíssimo para o sucesso da amamentação é verificar se a pega no peito está correta: o bebê abre bem a boca, abocanha o mamilo e grande parte da aréola, alcançando os depósitos de leite localizados na região. Ao fechar a boca, os lábios ficam voltados para fora e vedam a passagem de ar, favorecendo o correto padrão de respiração pelo nariz. A língua se posiciona sob o mamilo, à frente, entre os rodetes de gengiva que comprimem a aréola, ajudando o bico a se alongar em até três vezes o seu tamanho dentro da boca do bebê. Tal alongamento é necessário para que alcance e toque o ponto de estímulo neural da deglutição, na região posterior do palato ("céu da boca") da criança. O recém-nascido obtém o leite por trabalho muscular (ordenha), não havendo, em momento algum, pressão negativa ou sucção, como infelizmente ocorre com a mamadeira e a chupeta.
Algumas imagens para ajudar:
Pega incorreta resulta numa ordenha ineficiente, não saciando as duas necessidades básicas do bebê - fisiológica (por leite materno) e neural (de trabalho muscular) -, além de causar fissuras mamilares e outros problemas, o que resulta em dor na mama durante a amamentação. Se notar que a pega não está correta, interrompa a sucção introduzindo delicadamente o dedo mínimo entre a boca do bebê e o seio e reinicie o processo. Não deixe que a criança continue mamando com pega incorreta.
2) A amamentação deve ser praticada em livre demanda para garantir que o bebê seja suprido em todas as suas necessidades nutricionais, inclusive hidratação. Desse modo, ele pode retirar todo o leite de que precisa conforme a sua vontade. Amamentação não combina com relógio: deixe o bebê comandar!
Para maiores informações, dois textos interessantes:
"Amamentação à la carte".
“A importância da livre demanda”
http://www.facebook.com/note.php?note_id=167469133305459
3) Se mesmo com a técnica (pega e posição) adequada e regime de livre demanda o bebê não ganhar peso, é preciso verificar se a mãe não está interrompendo a mamadaou trocando o bebê de peito antes que ele termine. O leite vai aumentando sua quantidade de gordura ao longo da mamada. Se o bebê for interrompido no meio de uma mamada, ele não irá cumprir o seu objetivo que pode ser, naquela mamada, o de mamar bastante leite gorduroso (às vezes ele quer apenas matar a sede). Portanto, deixe-o mamar à vontade, até quando ele quiser, porque ele é que sabe o que precisa naquele momento. Quando o bebê largar uma mama e quiser mamar mais, seja na hora ou mais tarde, você poderá oferecer o outro peito, então os dois vão ser estimulados. Dessa forma, para assegurar um bom ganho de peso é preciso: pega adequada, livre demanda e o respeito à vontade do bebê de permanecer no mesmo peito durante a mamada. Alguns recém-nascidos também sugam muito lentamente nos primeiros dias e precisam de muito tempo no peito (prepare-se, porque essa situação não dura para sempre!).
4) Se o bebê continuar não adquirindo peso apesar da efetivação dos três itens acima, é necessário conferir a hipótese de infecção urinária, que é uma das causas de baixo ganho de peso corpóreo em recém-nascidos.
5) Porém, mais importante que o valor registrado na balança é observar odesenvolvimento da criança. Bebê saudável não é o bebê que engorda muito. Recém-nascidos ganham peso em proporções inconstantes, mas devem dobrar o valor do nascimento até os seis meses e triplicá-lo até um ano de idade de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo as orientações da OMS para o aleitamento materno, a quantificação rigorosa do ganho de peso do bebê pelos pais deve ser desincentivada. Os valores podem variar muito, porque cada criança tem o seu próprio ritmo de crescimento. É importante considerar o biotipo do bebê: como são os pais? Gordinhos, magrinhos, altos, baixos? A genética tem uma grande influência na estrutura física do indivíduo. Além disso, existem flutuações normais no peso. Colocar frequentemente a criança na balança pode levar os pais à insegurança. Pesar o filho antes e depois da mamada também não deve ser parâmetro para medir a quantidade de leite.
As novas curvas de crescimento revisadas pela OMS baseando-se em bebês alimentados com leite materno estão no link e fotos abaixo. Lembre-se de verificar com o pediatra de seu filho se ele está usando as curvas atualizadas!
6) O colostro, que começa a ser produzido no terceiro trimestre de gestação, é o primeiro alimento e a primeira "vacina" do bebê.
Leia o artigo "Amamentação na primeira hora, proteção sem demora!"-
Ele começa a ser secretado logo após o nascimento e é produzido em baixa quantidade justamente porque o recém-nascido ainda não está com os rins totalmente preparados para processar grande volume de líquidos. No período inicial, enquanto o leite não desce - demora entre três e cinco dias ou mais -, o colostro é suficiente e perfeitamente adequado ao bebê; portanto, continue colocando-o no peito frequentemente. Se a criança estiver mamando colostro em livre demanda e em contato contínuo com a mãe, seu choro nesse início de vida dificilmente poderá ser associado à fome e às colicas. Técnicas muito eficientes para acalmar o bebê na fase imediatamente apósao nascimento são as aplicadas na teoria da Exterogestação. Leia o artigo na íntegra, utilíssimo para bebês novinhos!
Teoria da Extero-gestação para bebes novinhos - Dr. Karp
7) A OMS cita que oferecer água ou leite artificial ao bebê ao invés de permitir-lhe o aproveitamento dos benefícios do colostro enquanto o leite materno não desce não é justificável.
8) Nas primeiras duas semanas de vida é natural o bebê perder até 10% de seu peso(excesso de líquidos retidos que são eliminados) e só voltar a recuperar o peso perdido após esse período, para então começar a ganhar peso propriamente dito.
Permita que seu filho mame o colostro e estimule a produção de leite materno, não interferindo nesse processo natural introduzindo mamadeiras.
9) Geralmente de seis a oito semanas após o parto, a mulher passa a não ter mais ejeções entre as mamadas e seus seios ficam desinchados, porque o corpo para de produzir leite em excesso e se autorregula conforme as necessidades do bebê, contanto que ele seja amamentado em livre demanda e sem uso de chupetas e mamadeiras. Portanto, é normal sentir os peitos murchos depois de um mês. O leite não fica armazenado no peito: a maior parte é produzida na hora da mamada (a não ser na fase imediatamente pós-parto, quando os peitos costumam até vazar). O engurgitamento das mamas nas primeiras semanas nada tem a ver com a quantidade de leite produzida e sim com uma inflamação temporária no início da lactação. Peitos cheios e vazamento são problemas iniciais, que desaparecem assim que a amamentação estiver estabelecida.
10) É absolutamente normal o bebê diminuir o ganho de peso a partir do terceiro mês de vida. O Dr. Carlos González, autor do livro Mi Niño no me Come, recomendado pela La Leche League International, chamou essa fase de "a crise dos três meses": "Por volta de 2-3 meses de idade, alguns bebês tornam-se tão eficientes na mamada que são capazes de mamar tudo o que precisam em 5 ou 7 minutos, algumas vezes em 3 minutos. Se ninguém disso isso para a mãe e ela espera que a criança fique no seio por “pelo menos 10 minutos”, ela vai achar que seu filho não está mamando o suficiente". Além disso, o bebê que ganhava peso rapidamente, agora está caindo na curva de crescimento. A mãe também notou que os seios não enchem mais como antes e não vazam. Todos esses fatos são normais, mas a mulher que não está ciente disso pode achar que há algo errado.
11) Outro mito moderno que muitas vezes ilude a mãe é que as crianças, à medida que o tempo passa, aprendem a dormir mais. Na realidade, elas passam mais tempo acordadas quando vão crescendo. É verdade que um dia vão dormir mais horas seguidas e, finalmente, a noite inteira, mas dificilmente isso acontece aos quatro meses de idade. Ao longo dos primeiros meses de vida, é mais provável que você observe seu bebê dormindo menos. Muitas crianças mamam várias vezes por noite ainda durante os primeiros anos (o que, para a mãe, é muito mais fácil do que preparar mamadeiras de madrugada). Dar LA não ajuda no sono e pode provocar desmame precoce. Estudo recente prova que não há diferenças no sono de bebês amamentados ou que tomam LA. Veja o texto Leite artificial ajuda no sono?? Estudo desmistifica essa noção comum!:
12) Tem mãe que nunca vê o próprio leite, ou seja, nunca consegue ordenhar uma gota com auxílio de bomba (manual ou elétrica) ou mesmo por ordenha manual, mas o bebê mama exclusivamente ao seio e se desenvolve muito bem. Portanto, a quantidade de leite extraída não é confiável para determinar o volume de leite produzido, não deve ser usada como medida de produção de leite suficiente.
13) Nas primeiras semanas, para saber se a produção materna de leite está adequada, pode-se contar quantas vezes por dia a criança urina: 5-6 fraldas molhadas indicam que ela está bem hidratada e a quantidade de leite é suficiente.
Casos reais de baixa produção de leite:
- Quando o bebê tem um repentino ganho de peso ou crescimento e o peito "ainda não teve tempo" de adequar a produção, ele pode pedir para mamar de hora em hora. Os picos/estirões de crescimento acontecem justamente por essa razão: aumentar a produção de leite materno. Esses fenômenos ocorrem por volta dos sete-dez dias, duas-três semanas, quatro-seis semanas, três meses, quatro meses, seis meses e nove meses, em média, e continuam ao longo do desenvolvimento da criança. A mãe deve respeitar os pedidos constantes para mamar e oferecer o peito, ou seja, amamentar em livre demanda, inclusive à noite. Só assim a sua produção se ajustará perfeitamente às necessidades do bebê, o que acontece em alguns dias. Oferecer leite artificial durante os picos de crescimento impede que o organismo da mãe se adapte à nova demanda, podendo iniciar um desmame precoce desnecessário, em alguns casos.
- Quando a mulher está cansada, exausta, beirando uma depressão pós-parto. Nesses casos, são necessários orientação real e efetiva e talvez aconselhamento médico. Apoio de uma rede de mulheres é muito importante. Procure grupos de apoio de amamentação em tua cidade ANTES mesmo do bebê nascer.
Onde achar grupos e bancos de leite (que dão orientação sobre amamentação):
- Quando a mulher começa a desacreditar de sua capacidade de nutrir o bebê. Ao oferecer leite artificial antes da mamada, o organismo entende que não precisa produzir a quantidade extra que a criança já tomou. Sem total confiança na capacidade de amamentar, a mulher coloca o bebê ao seio "já sabendo que não tem leite". Com a autoestima baixa é como se a mãe desistisse, "jogasse a toalha" e, então, pode ter a sensação de que o leite diminuiu.
O que fazer para aumentar a produção?
Quando a mulher passa a achar que produz menos pelos motivos acima citados ou quando o bebê repentinamente aumenta a demanda, pode-se tentar as seguintes medidas antes de recorrer ao leite artificial:
Físicas: descansar durante o dia, beber água sempre que sentir sede, deitar com a criança, amamentar pelo menos uma vez de madrugada (não precisa acordar o bebê, é só pegá-lo e colocá-lo ao seio mesmo dormindo), oferecer o peito mais vezes que o habitual durante o dia e amamentar sempre que a criança demonstrar interesse. Em casos em que a produção efetivamente parou porque a criança já está usando LA, mamadeiras e chupetas, pode-se tentar relactar, técnica muito simples. Ver aqui o texto O que é relactação e para que serve?
Emocionais: conscientize-se que, apesar do seu poder de gerar e nutrir, a mulher, quando tem um filho, fica pode ficar bastante fragilizada. Ela precisa receber muito apoio, boa orientação e amor, caso contrário, é possível que não consiga amamentar com sucesso. É importante cercar-se de pessoas que transmitam mensagens de otimismo, carinho, apoio, e não o contrário, de desestímulo. Parentes (quase sempre com boas intenções) chegam dizendo que amamentar dá muito trabalho, que o leite é fraco, que o bebê precisa de um complemento, etc. Esse tipo de "conselho" pode minar a autoestima da mãe. Não existe leite fraco. A natureza é sabia e poderosa. Nós, seres humanos, não estaríamos aqui se não fosse pelo leite materno. Ele chega sempre, e mais facilmente quando realmente o desejamos e temos orientação. A informação é muito importante, mas o apoio pode ser determinante. Uma criança não é responsabilidade só dos pais, é de todos. Ela é o nosso amanhã. Temos que respeitá-la e apoiar quem tem coragem de gerá-la. Apoio logístico consiste em ajuda efetiva para cuidar do bebê (pode vir do pai, da avó, da tia, de uma babá, de uma amiga, de qualquer um que o faça por amor e com muita atenção e cuidado). Apoio moral consiste no amor, no reconforto, na paciência, no incentivo, no respeito e nas boas vibrações das pessoas próximas. Amamentar é dar amor, mas, para fazê-lo, a mulher precisa recebê-lo!
Entretanto, a tendência parece ser chegar no consultório do pediatra com uma queixa sobre amamentação e sair com uma prescrição de leite artificial, pois é muito mais fácil fechar o diagnóstico de "pouco leite" como algo fixo, definitivo, imutável, do que trabalhar, orientar, aconselhar, visitar e acompanhar a mãe. Quanto mais desesperada estiver a mulher, mais ela terá a tendência de gerar o diagnóstico equivocado, e o pediatra então concluirá que ela não vai conseguir mesmo amamentar. Na maioria dos casos, dar de mamar é um ato de fé e persistência, mas é preciso ter apoio e orientação.
Definitivamente, Leite artificial não é a solução!