sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Refluxo patológico em bebês – Conceito, diagnósticos diferenciais e tratamento

Por Ana Carolina Dantas Loureiro

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Refluxo Gastroesofágico é a passagem de conteúdo gástrico ao esôfago. Por ser considerado um evento normal nos bebês, dada a imaturidade da válvula entre o esôfago e o estômago, é chamado de Refluxo Fisiológico. Os bebês que refluem rotineiramente sem demonstração de incômodo são considerados “golfadores-felizes”, dispensando preocupação e intervenção médica.

A regurgitação de um bebê em aleitamento materno exclusivo não significa que o bebê mamou demais, mas apenas que a válvula (cárdia) é imatura. Desse modo, com os meses e amadurecimento do organismo da criança, esse refluxo tende a melhorar sensivelmente sem a necessidade de intervenção médica ou farmacológica.

O Refluxo é oculto quando o indivíduo não regurgita (golfa).

Excepcionalmente, o refluxo pode ser considerado uma doença quando associado a outros sintomas ou complicações (Refluxo Patológico = Doença do refluxo gastroesofágico), passando a incomodar o bebê e afetar o ganho de peso. Como se demonstrará, o melhor tratamento é adoção de medidas posturais e bons hábitos.

Destaque-se que há um grupo de bebês que apresenta uma maior probabilidade de incidência de Refluxo Patológico, quais sejam: neuropatas, portadores de síndromes genéticas, de atresia de esôfago operada, de doença pulmonar crônica, prematuros e as crianças com sobrepeso e obesidade (estas, em caso de aleitamento misto ou em uso exclusivo de leite artificial). Tais casos merecem o acompanhamento do profissional gastropediatra em caso de suspeita da Doença do Refluxo Gastroesofágico.

DIAGNÓSTICO DO REFLUXO PATOLÓGICO

O diagnóstico do Refluxo é realizado com maior exatidão a partir da clínica (com base nos sintomas e exames físicos).

Ressalte-se que os exames disponíveis não são efetivamente precisos para identificar refluxo em crianças e, muitas vezes, incapazes de diferenciar o Fisiológico do Patológico – a exemplo da ultrassonografia de abdome. Outros exames são muito invasivos, não devendo ser passados de rotina – inclusive porque, como dito, a melhor forma de diagnóstico do Refluxo Patológico é a clínica do paciente (padrão-ouro em diagnóstico).

Tratando-se de bebês, sintomas inespecíficos (como choro, dificuldades com o sono e irritabilidade), não são suficientes para a conclusão do diagnóstico.

Desse modo, antes de se concluir por Refluxo Patológico, é importante investigar se há livre demanda de leite materno, ausência de bicos artificiais e se o bebê tem muito acesso ao colo e contato com a mãe, quando preservada a exterogestação. Isso porque são questões que podem afetar o estado geral da criança e influenciar no ganho de peso.

De igual forma, como os bebês nascem neurologicamente imaturos e totalmente dependentes de seu cuidador principal (no caso, a mãe), é natural que sofram se deixados muito tempo no berço ou em um local em que se sintam fragilizados – sem que esse desconforto seja exatamente uma dor física. 


Destaque-se que a amamentação não serve apenas para alimentar, mas também para matar a sede, satisfazer a necessidade de sucção e calor. Por isso, os lactentes precisam muito de colo e leite materno quando novinhos, muitas vezes até para permanecerem dormindo.

Dito isso, é comum que o bebê não consiga dormir diretamente no berço ou desperte pouco após ser colocado nele. Nesse caso, a falta de sonecas de qualidade pode deflagrar uma irritação por cansaço excessivo (efeito vulcão).

Outro ponto a ser afastado é o uso de bicos artificiais no caso de bebês em aleitamento materno, pois alguns dos possíveis sintomas de Refluxo Patológico se parecem com confusão de bicos, como exemplo: arquear o corpo para trás ao mamar, mamadas rápidas, irritabilidade e dificuldade no ganho de peso.

Confusão de bicos é um fenômeno reconhecido pelo Ministério da Saúde e OMS, que contraindicam bicos artificiais para bebês amamentados, pois a musculatura envolvida para o bebê pegá-los é diferente da usada no peito. Com isso, pode-se estimular uma musculatura orofacial inadequada, impedindo o lactente de ordenhar corretamente o peito, prejudicando a produção de leite, dentre outros possíveis malefícios.

Por fim, necessário ainda excluir a hipótese de hiperlactação da nutriz, tendo em vista que o fluxo de leite pode ser maior do que o bebê consegue administrar, especialmente nas primeiras semanas após a apojadura.

Vale enfatizar que deve ser sempre preservada a livre demanda ainda que confirmado o Refluxo Patológico, pois o controle de horários para as mamadas é inútil no tratamento e pode causar ainda mais sofrimento ao lactente, com riscos à sua adequada nutrição.

O aleitamento materno é recomendável quando há Refluxo Patológico, sendo equivocada orientação de desmame nessa hipótese. Nenhuma fórmula é tão boa ao bebê, inclusive em caso de Refluxo Patológico.

ALERGIA ALIMENTAR E REFLUXO
 

Há refluxo que decorre de alergia alimentar, sendo a Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) a mais comum em bebês. Quando o Refluxo Patológico é consequência da APLV, melhora gradualmente com a dieta correta.
 

Ocorre que Refluxo não costuma ser um sintoma isolado em Alergia Alimentar. Por isso, em caso de só haver sintomas de Refluxo Patológico, apenas essa condição merece um tratamento inicial, para se evitar uma dieta desnecessária e até prejudicial ao bebê, especialmente porque o contato com proteínas potencialmente alérgenas, via leite materno, ajuda a evitar alergias na fase de introdução alimentar.
 

Em regra, os alimentos ingeridos pela mãe que amamenta não causam refluxo no bebê - nem quaisquer outros incômodos. A única exceção é para o caso de confirmação de alergia alimentar a alguma proteína.

TRATAMENTO
 

Como dito, Refluxo Fisiológico é natural em bebês e não requer tratamento.
 

O mesmo acontece com bebês que apresentam sintomas leves de Refluxo Patológico, no qual o tratamento com remédios é desnecessário (e até prejudicial face alguns dos efeitos adversos possíveis e falta de eficácia comprovada de outros), podendo se resolver espontaneamente com o crescimento da criança, sem sequelas.
 

Confirmado o diagnóstico de Refluxo Patológico, o tratamento conservador (não farmacológico) é recomendável, podendo trazer benefícios sem efeitos colaterais.
 

O tratamento do Refluxo Patológico dá-se de forma progressiva, começando com as medidas posturais e novos hábitos. Após, permanecendo o incômodo do paciente, pode-se associar tais práticas a determinados remédios, sob supervisão médica especializada.
 

A posição prona (barriga para baixo) consiste na postura anti-refluxo mais eficaz. Porém, recomenda-se que todos os bebês (até conseguirem se virar sozinhos) durmam na posição supina (barriga para cima) por diminuir o risco de morte súbita.
 

São exemplos de medidas posturais: mamar mais ereto, como na posição cavaleiro, deixar ereto após mamar, não usar fraldas ou calças apertadas.
 

A elevação da cabeceira da cama/berço com calços (no mínimo 30 graus) é relatada como medida postural que traz benefícios. Para tanto, pode-se usar livros ou pedaços de madeiras. Por sua vez, travesseiros e colchões anti-refluxo podem não ter a mesma eficácia, apesar de usualmente empregados.
 

O uso de slings ou cangurus ergonômicos pode ajudar a manter a criança em posição ereta, equilibrando o peso da criança, com maior conforto ao cuidador.
 

Importante ainda evitar a exposição ao cigarro (fumo passivo), pois o tabaco induz o relaxamento da cárdia (válvula entre esôfago e estômago) – além de outros malefícios (aumenta a predisposição à asma, pneumonia, apneia e síndrome de morte súbita).
 

Nos indivíduos que apresentam sintomas severos de Refluxo Patológico sem melhora após a utilização das medidas posturais, é recomendável o acompanhamento com gastropediatra para investigação apropriada a partir da clínica e de exames (preferencialmente os menos invasivos).
 

Ainda que seja necessário ingressar com medicamentos, é importante a manutenção das medidas posturais acima indicadas.
 

Algumas medicações possuem reações adversas sérias que podem confundir sintomas, a exemplo de irritabilidade, falta de apetite e náuseas. Portanto, necessário que o médico acompanhe a evolução do paciente e que os pais estejam cientes desses possíveis efeitos presentes na bula.     

REFERÊNCIAS:   

CAVALCANTI, Maria Birman. A alimentação da mãe pode causar cólicas e gases no bebê? Disponível em <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2016/10/dieta-altera-composicao-do-leite-materno.html>  

CAVALCANTI, Maria Birman.  Carregadores de bebês. Disponível em <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2016/11/carregadores-de-bebes.html>

Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar 2007 - Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI). Disponível em <http://www.asbai.org.br/revistas/vol312/ART%202-08%20-%20Consenso%20Brasileiro%20sobre%20Alergia%20Alimentar%20-%202007.pdf>   

Guia Prático de diagnóstico e tratamento da Alergia às Proteínas do Leite de Vaca mediada pela imunoglobulina E – elaborado pela Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI) e Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição. Disponível em <http://www.asbai.org.br/revistas/vol356/Guia-35-6.pdf>.   

FERREIRA, Cristina Targ & outros. Doença do refluxo gastroesofágico: exageros, evidências e a prática clínica. J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre Mar./Apr. 2014. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572014000200105&script=sci_arttext&tlng=pt>   

GONZÁLEZ, Carlos. Manual Prático de Aleitamento Materno. São Paulo: Editora Timo, 2014.  

KARP, Harvey. The Happiest Baby on The Block. Trecho “Teoria da Exterogestação” disponível em <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2014/06/teoria-da-extero-gestacao.html

JUNQUEIRA, José Cesar da Fonseca. Doença do refluxo gastroesofágico: diagnóstico e tratamento. Disponível em <http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=106>

Moderadoras GVA. O jogo hormonal entre mãe e filho na cama compartilhada. Disponível em <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2015/01/o-jogo-hormonal-entre-mae-e-filho-na.html>.

PANTLEY, Elizabeth. Soluções para noites sem choro. Trecho “O Conceito do Continuum - a importância da fase do colo” Disponível em: <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2014/06/o-conceito-do-continuum-importancia-da.html>

PEREIRA, Leidiana. Como identificar sinais de Confusão de Bicos. Disponível em <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2014/11/como-identificar-sinais-de-confusao-de.html>

 RODRIGUES, Maraci & outros. Manifestações clínicas, terapêutica e evolução de crianças e adolescentes com esofagite eosinofílica. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.03.001>  

OLIVEIRA, SARITA. Hiperlactação ou hipergalactia: eu estou produzindo muito leite? Disponível em <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2015/01/quando-muito-leite-e-um-problema.html>  

 SILVA, Fernanda Rezende e GARCIA, Zioneth. O que acontece com os músculos bucais quando um bebê usa qualquer bico artificial (chupetas, mamadeiras, bicos de silicone) <http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2015/03/o-que-acontece-com-os-musculos-bucais.html>
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