Por José Martins Filho, em A criança terceirizada - os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, p.54
Fico muito preocupado quando a mãe de filhos com menos de dois anos de idade, particularmente dos que estão no primeiro ano de vida, decidem viajar durante dez, 15 dias. Isso é realmente traumático para o bebê, que, para se defender da dor profunda da perda (ele imagina que perdeu a mãe para sempre, que seu objeto de amor profundo foi embora, morreu), acaba transferindo seu vínculo, seu afeto para a pessoa que fica cuidando dele (uma avó, uma tia ou alguém da família). Nos casos em que a pessoa que substitui a mãe é alguém a quem a criança já está afeiçoada, a dor não é tão intensa e as consequências menos graves. É como se a criança considerasse sua mãe essa pessoa e não aquela que realmente a deu à luz. Infelizmente, quando a mãe volta, sofre, porque se dá conta que a criança está distante, relutante em vir para seus braços, quer ficar com a babá ou com a vovó, que não a “traíram”. Algumas mulheres, quando enfrentam essa situação, ficam desesperadas. Felizmente, aos poucos, e dependendo de como refaçam o vínculo, a situação tende a voltar ao normal.
Não se pode esquecer, principalmente nesse período de tanto contato, de tanta dependência, de tanta preocupação com a oralidade, a alimentação, a higiene etc., que a parte afetiva é fundamental nas relações humanas. Sem ela, o desenvolvimento enfrenta dificuldades para se realizar plenamente. Baseados nesses conhecimentos é que os pediatras insistem na atenção com afastamentos e distanciamentos. Uma criança de menos de dois anos sofre com afastamentos superiores a 12 horas. Se forem mais de 24 horas, podem marcar profundamente a psique e o comportamento da criança. Será que os pais sabem disso? Será que os pediatras e os psicólogos alertam os pais sobre isso? Falo dos pediatras porque são eles que têm a chance de monitorar e acompanhar as crianças com um pouco de frequência.