quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O que é a livre demanda?

Por Mariana Santana
Revisão: Luciana Freitas e Gabriela Silva


Um dos pilares para o sucesso da amamentação é o que chamamos de livre demanda. No entanto, até hoje persistem muitas dúvidas e más orientações sobre o que seria amamentar em livre demanda. A cultura do aleitamento materno foi tão diminuída e a medicalização do nascimento tão ampliada que, hoje, os adultos costumam desconhecer as necessidades de um bebê e buscam ansiosos por regras a seguir. Daí que surgem orientações de amamentar a cada 2 ou 3h, algo completamente distante do comportamento mais comum de uma criança pequena.

Um bebê recém-nascido pode mamar a cada 2 ou 3h, mas também é comum que ele queira mamar absolutamente o tempo todo! Nessa fase, ele busca se sentir acolhido como estava no útero e não existe melhor lugar pra isso do que o peito e o colo da mãe. Tenhamos em mente que o peito não é só alimento, mas é também o melhor lugar de afago, aconchego e segurança para uma criança pequena. No peito ele sente o calor, o cheiro e os sons do corpo da mãe e, por que não, se alimenta de forma contínua, como no útero.

É importante que os pais estejam atentos ao bebê, percebendo seus sinais precoces de fome para alimentá-lo. O choro já é um sinal tardio: antes disso a criança dará outros sinais que são bastante particulares. Com o tempo, os pais vão instintivamente aprendendo que sinais são esses, mas, geralmente, começam a ficar agitados, virando a cabeça, fazendo biquinho, sugando “o nada”, sugando a língua, movimentando-se como se procurando o peito, soltando saliva pelo cantinho da boca etc. Coloque-o próximo ao peito e ele mamará com gosto! Assim, fazer livre demanda não é esperar para amamentar somente quando o bebê chorar, mas sempre que ele parecer estar com fome ou simplesmente quiser estar no peito. 

O bebê passará também por mudanças sutis ou bruscas no padrão das mamadas. Ora passarão longos períodos sem mamar, ora requisitarão muito mais o peito. Isso é muito comum e costuma assustar bastante a família, que erroneamente pensa que o leite está acabando. Tratam-se dos saltos de desenvolvimento ou dos picos de crescimento que ocorrem de forma mais ou menos regular em todos os bebês [1]. Esses períodos são importantes para regular a produção de leite, avisando ao corpo da mãe as necessidades de cada fase do desenvolvimento.

Em alguns casos, como o de bebês pequenos para a idade gestacional (PIG), grandes para a idade gestacional (GIG) ou prematuros, a livre demanda precisa ganhar um reforço. Nesses casos além de oferecer sempre que a criança pedir, reforçamos a amamentação, algo que no GVA chamamos de "intensivão de peito". O que significa? Que para esses bebês, vamos amamentar pelo menos a cada 2h (de dia) e 3h (de noite/madrugada), mesmo que eles pareçam estar ainda dormindo ou quietinhos, sem fome. Eles precisam ganhar peso e nem sempre conseguem acordar sozinhos ou chorar pedindo pra mamar.

Diferente do que circula no senso comum, esse cuidado não se relaciona com risco de hipoglicemia[2/3], mas por conta da maior dificuldade que esses bebês possuem de ganhar peso. Por isso, o intensivo de peito deve ser mantido até que o peso se estabilize. Para as crianças fora desses grupos, caso não haja recuperação do peso de nascimento em até 10 dias, é recomendado que sejam também submetidos a um intensivo de peito. 

É recomendável, ainda, que o bebê durma próximo à mãe, pelo menos no mesmo cômodo, nos primeiros meses de vida. Isso porque quando a criança se percebe sozinha, pode adotar o comportamento de dormir por longos períodos, que é uma forma instintiva de guardar energia. Essa “hibernação” frequente pode trazer problemas no ganho de peso e no desenvolvimento. Se não for possível manter a criança próxima, também recomendamos o intensivo de peito até estabilização no ganho de peso.

Lembre que a livre demanda também implica em não controlar qual mama será oferecida de cada vez. Exceto em casos específicos [4], não há motivo para oferecer uma mama em determinado período, ou alternar, necessariamente, a mama que será oferecida. Quando for amamentar, basta oferecer a mama que lhe parece mais confortável, seja pela posição em que está, seja por estar mais cheia ou pesada ou por precisar de uma ou outra mão livre. Atenção para não oferecer sempre a mesma mama, pelo risco de ingurgitamento (“empedramento”) e também para não aumentar a diferença natural de tamanho que todas temos entre as duas mamas. Novamente, devemos perceber os sinais do bebê: caso ele rejeite a mama, seja no início ou no meio da mamada, teste a outra.

Outro ponto muito importante: amamentação não combina com relógio, em nada. Não apenas para indicar quando dar o peito, mas também quanto ao tempo da mamada. Circula uma ideia, totalmente errada, de que o bebê deve fica no máximo 15 minutos no peito. Imagine alguém dizendo que você só pode comer por 5 ou 10 minutos, beber água por apenas 1 minuto ou algo parecido com isso? É fundamental para a saúde do bebê que ele fique no peito o tempo que quiser, inclusive porque ele é o responsável por controlar a composição do leite materno. Isso mesmo. Conforme ele vai mamando, o leite vai tornando-se mais rico em gorduras e é ele, o bebê, que pela sucção torna isso possível.

Por fim, é importante considerar que o leite materno é o principal alimento durante o primeiro ano de vida e que não se recomenda nenhum tipo de restrição à livre demanda até o primeiro aniversário. Isso significa não marcar horários mínimos ou máximos, oferecer o peito sempre que solicitado e não iniciar desmame, nem mesmo o noturno. Após um ano de vida, a livre demanda pode continuar se for confortável para a dupla, mas a partir deste momento podem surgir algumas limitações, caso isso seja vontade da mulher, e não de terceiros.


Referências:

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