Você tem um filho que ainda mama. Não importa a
idade. Ele mama e você descobriu que está grávida de novo. E agora? O que
fazer? Há risco para o bebê que já nasceu? Há risco para o bebê ainda em
formação? Há risco para você? O desmame é necessário?
Nesse texto, vamos conversar um pouco sobre a
chamada “lactogestação”, que é o ato de amamentar enquanto grávida de outro
bebê. Mitos, evidências científicas, crendices, o que é verdade, o que não é e
o que ainda não foi descoberto.
Fisiologia
da amamentação
Ainda durante a gravidez, o corpo da mulher começa
a produzir o colostro como resultado da concentração de quantidades cada vez
maiores dos hormônios progesterona, estrogênio e prolactina. A produção de
leite (em substituição ao colostro) normalmente somente é ativada com a
expulsão da placenta, quando há uma queda brusca na quantidade de progesterona
em circulação no sangue da mãe. É aí que entram em ação a prolactina e a
ocitocina, em conjunto, para estabelecer a amamentação. O efeito imediato do bebê ordenhando o seio
da mãe é a liberação de prolactina (responsável pela produção do leite) e de
ocitocina (responsável pela ejeção do leite).
Pesquisas demonstraram que, quando a amamentação já
está estabelecida, por volta do 2º ou 3º mês de idade do bebê, a concentração
de prolactina circulando no corpo da mãe diminui consideravelmente, e a ordenha
– seja pelo bebê mamando, seja manual, seja com uma bomba – passa a ser
essencial para manter a produção, através do estímulo à liberação de prolactina
na corrente sanguínea [1].
A ocitocina, conhecida como hormônio do amor, tem
papel importante em dois momentos: durante o trabalho de parto, é ela a
responsável pelas contrações uterinas que expulsam o bebê pelo canal vaginal e
que levam à contração uterina logo após o parto; durante a amamentação, é ela
que faz com que o leite, produzido no seio, saia pelos ductos em resposta à
ordenha. Além disso, também é secretada quando a mulher tem um orgasmo.
As dúvidas sobre a segurança em manter a
amamentação de um bebê ou criança estando grávida começam aí: se o hormônio
liberado durante a amamentação é o mesmo hormônio que faz com que os bebês
nasçam durante o trabalho de parto, será que não há risco de um trabalho de
parto prematuro quando a mãe amamenta grávida?
Amamentar
estando grávida induz um parto prematuro ou aborto?
Há algum tempo foi levantada a hipótese de que a
resposta fisiológica de contração do útero ante a presença de ocitocina poderia
levar a um aborto. Porém, algumas pesquisas [2]
indicaram que mesmo sendo o hormônio responsável pela ejeção do leite, a
ocitocina não atinge quantidades tão grandes durante a amamentação quanto
atinge durante o trabalho de parto. Isso porque acontece porque, após o parto,
a concentração de receptores de ocitocina no útero cai drasticamente e os
receptores que permanecem no útero conseguem regular sua reação à presença do
hormônio, de forma a evitar contrações indesejadas durante a amamentação. Essa
é a chamada “hipótese do útero surdo”, de acordo com a qual somente durante o
trabalho de parto e até a saída da placenta o útero contrai em reação à
presença da ocitocina [3].
Os estudos existentes até o momento, portanto,
indicam que em uma gestação de risco habitual – e é importante lembrar que por
mais tranquila que seja a gestação, não há gestação totalmente isenta de risco
– amamentar não aumenta a probabilidade de aborto ou parto prematuro [4].
Amamentar estando grávida atrapalha o crescimento do feto?
Outro ponto que se costuma comentar é que a
amamentação “rouba” os nutrientes que deveriam ser destinados ao feto,
atrapalhando seu crescimento intrauterino. Não há comprovação científica dessa
afirmação, não tendo sido observadas diferenças significativas no tamanho de
bebês cujas mães amamentaram durante a gestação e naqueles cujas mães não
amamentaram [5]. Além disso, não foi encontrada
até o momento qualquer relação entre a amamentação durante a gravidez e o risco
de o bebê nascer pequeno para a idade gestacional (PIG). Existem poucos estudos
sobre esse tema e ele precisa ser aprofundado, mas o que se verifica até o
momento é que não há correlação entre a lactogestação e um possível baixo peso
no bebê [4], considerando também que precisam
ser descartadas questões como a alimentação adequada da mãe e outros fatores
socioeconômicos que podem ter influência direta sobre essa questão [9].
Amamentar estando grávida afeta a quantidade e/ou a qualidade do leite materno que meu filho mais velho está ingerindo?
Quantidade de leite produzido
As pesquisas indicam que pode haver uma redução na
produção do leite, devido à ação da progesterona, ainda que o filho mais velho
continue mamando frequentemente [6]. É preciso
considerar, porém, que não há método confiável de verificar a produção efetiva de
leite. Nem a ordenha nem a pesagem do bebê conseguem medir de forma adequada a
produção e o cansaço – principalmente quando a mãe amamenta e está grávida –
pode levar a uma percepção equivocada de ter havido redução na produção. Além
disso, cerca de 30% das mães afirmam não terem observado qualquer alteração [7].
Outro fator a ponderar é que o aumento na
circulação de progesterona durante a gravidez pode levar a uma redução no
reflexo de ejeção, mas isso tende a deixar de acontecer conforme se aproxima o
final da gravidez [8].
Mesmo na hipótese de ocorrer uma redução efetiva na
produção de leite, o desmame não é necessário, bastando avaliar a necessidade
de complementar a mamada com leite ordenhado da própria mãe (caso ela tenha em
estoque) ou com leite artificial. Nessa avaliação deve ser observado, dentre
outros fatores, a idade do bebê, se ele possui outras fontes de alimento e,
ainda, a oferta através de métodos seguros, para evitar a confusão de bicos.
Qualidade do leite
Não há pesquisas conclusivas sobre a alteração na
qualidade do leite produzido. Comparando-se bebês cujas mães amamentaram e
bebês cujas mães não amamentaram durante a gestação não foram observadas diferenças
significativas entre os dois grupos [9]. Além
disso, tais pesquisas não consideraram fatores como o uso de bicos artificiais
ou a existência ou não de livre demanda. Por isso, até o momento é seguro
concluir que a qualidade do leite não é significativamente alterada. Além
disso, é preciso lembrar que o leite é um líquido vivo e sua composição pode
variar a depender da necessidade do bebê.
Foi observado que o leite pode parecer mais salgado
durante o primeiro trimestre da gestação[10], fato
confirmado pelo relato de bebês que já se comunicavam com as mães, mas não se
preocupe, isso não afeta a qualidade do leite.
Há um aumento na quantidade de hormônios em circulação no corpo da mãe durante a gravidez. Isso pode prejudicar o meu filho mais velho?
Recentemente foi questionada a possibilidade de a
quantidade de hormônios em circulação no corpo da gestante levar a uma maior
concentração desses hormônios no leite, o que poderia prejudicar o filho mais
velho [11].
Essa exposição não foi considerada importante, uma
vez que o bebê que mama está menos exposto a essa carga hormonal do que o bebê
dentro do útero, que recebe esses hormônios através do cordão umbilical.
Riscos de
amamentar durante a gestação: mito ou evidência científica?
Não existem até o momento bases científicas sólidas
[4] atribuindo à amamentação durante a gestação
possíveis consequências negativas, seja em relação à saúde da mulher, seja em
relação ao desenvolvimento do embrião/feto/bebê ou do filho que mama.
As pesquisas não concluíram que amamentar na gravidez é prejudicial
Todas
as pesquisas buscaram identificar riscos na continuidade da amamentação (ou
seja, reafirmar a ideia de que a amamentação durante a gravidez traz prejuízos).
Os riscos documentados parecem estar mais relacionados a uma alimentação
inadequada da gestante que amamenta e do filho mais velho do que propriamente
ao fato de amamentar estando grávida [12]. Além
disso, não conseguiram excluir fatores como condição socioeconômica da família,
idade da criança e mesmo a forma como um eventual desmame foi conduzido [4].
Embora
esse tenha sido o foco dos pesquisadores, nenhum deles conseguiu relacionar a
amamentação a um desfecho negativo na gestação.
Logo, não há evidências científicas para sustentar o desmame como regra
Baseado no que se tem de conhecimento científico
atualmente, não há evidência para sustentar que, em se tratando de uma gravidez
de risco habitual, as mulheres correm maior risco de abortar ou de ter um parto
prematuro se continuarem amamentando enquanto grávidas. Também é pouco provável
que a amamentação por si só leve a uma restrição significativa no crescimento
intrauterino, principalmente em se tratando de mulheres saudáveis e que tenham
uma alimentação adequada.
Mesmo em situações extremas, o desmame NÃO É garantia de sucesso
Em casos extremos, o profissional de saúde pode
entender adequado conversar com a gestante sobre o desmame do bebê mais velho.
As principais causas de desmame indicadas pelos profissionais de saúde costumam
ser [4]: (i) alguma síndrome ou doença materna
que afete a absorção de nutrientes pela mãe e que, por isso, tenha influência
sobre a continuidade da amamentação durante a gravidez; (ii) restrição de
crescimento intrauterino severo observado durante a gravidez; ou (iii) mulheres
com histórico de aborto ou parto prematuro anterior.
Mesmo nesses casos, porém, é importante destacar
que NÃO HÁ EVIDÊNCIA
CIENTÍFICA de que interromper a amamentação reduz o risco envolvido, ou
seja, não há como afirmar que o desmame trará segurança à gestação.
O risco é um mito. E aí? Amamentar
ou não?
Conforme visto, não há evidência científica de que
a amamentação durante a gravidez influencie de qualquer forma o resultado, ou
seja, não há evidência de que o desmame seja garantia para que a gravidez
ocorra bem e não haja um desfecho indesejado, seja um aborto, seja um parto
prematuro.
Em se tratando de gravidez de risco não habitual,
ou seja, em se tratando de mulheres que possuem histórico de aborto ou parto
prematuro ou que por algum motivo podem vir a ter parto prematuro, também não
há evidência sustentando o desmame, mesmo que o médico sugira o desmame na
tentativa de levar a gestação até o final.
Qualquer que seja o seu caso, qualquer que seja a
orientação do médico que te acompanha, saiba que a decisão deve ser sua – e não
dele – e que se ele afirmar categoricamente que o desmame é garantia de sucesso
na gestação ou que não desmamar aumentará o risco da gravidez, ele está fazendo
tal afirmação sem qualquer base científica. Será apenas um palpite.
Recomenda-se,
como regra geral, observar a alimentação, uma vez que tanto a gestação quanto a
amamentação causam estresse adicional para o organismo da mãe [13]. Esse cuidado independe de a mãe estar grávida E
amamentando: ainda que ela esteja apenas grávida ou apenas amamentando é
importante, tanto quanto possível, manter uma alimentação balanceada e
saudável.
E as outras
pessoas?
Amamentar durante a gravidez ainda é um tabu,
sustentado muito mais por crenças pessoais – inclusive de profissionais de
saúde – que por evidências científicas. É comum que as lactogestantes ouçam que
estão prejudicando o filho mais velho, que o bebê não vai se desenvolver
adequadamente ou que haverá aborto ou parto prematuro.
Por esse motivo, considere a possibilidade de não
comentar com todos que você amamenta seu filho mais velho. Não recomendamos
omitir essa informação do profissional de saúde que te acompanha, mas tente
encontrar um profissional que, além de apoiar a amamentação, esteja atualizado
com as pesquisas científicas.
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