sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Tabagismo e Lactação

Fragmento do artigo Influência do tabagismo na fertilidade, gestação e lactação 
Por: Paulo Roberto Bezerra de Mello, Gilberto Rodrigues Pinto, Clovis Botelho
J. Pediatr. (Rio J.) vol.77 nº 4 Porto Alegre July/Aug. 2001

A lactação constitui um período importante para o desenvolvimento físico e psicológico da criança, com conseqüente redução da morbi-mortalidade infantil no primeiro ano de vida, em especial nos países subdesenvolvidos.

Como na gestação, o tabagismo da mulher durante a lactação se reduziu neste final de século. Haug comparou a prevalência de tabagismo na lactação e observou queda de 38% para 26% entre 1970 e 1991. Também como na gestação, no período de lactação, o tabagismo tem decrescido à medida que o grau de escolaridade e o nível de renda maternas aumentam.

O estudo realizado por Horta et al. mostrou que crianças cujas mães eram tabagistas tiveram 1,34 (95% IC 1,00 - 1,80) mais chances de não terem sido amamentadas até os 6 meses de idade. Observou-se, ainda, que o padrão de resposta relacionado com a dose foi significativo neste caso e era proporcional ao número de cigarros fumados pela mãe por dia. As mães que fumaram durante os seis primeiros meses de vida da criança tinham uma tendência maior de amamentar por menos tempo (RO = 1,44; 95 % IC 1,04 - 1,99).

As conseqüências do tabagismo materno e familiar sobre a lactação e a criança amamentada constituem um somatório de efeitos que também lhe dão características próprias. Além das conseqüências do tabagismo passivo da criança, que está numa fase de quase permanente contato com a mãe dentro do domicílio, se somam as conseqüências sobre a lactação propriamente dita.



No Rio Grande do Sul, Oliveira Netto observou que filhos de mães fumantes apresentavam níveis de cotinina urinária mais elevados, e que estes níveis eram maiores quando a mãe fumava durante a mamada. Isso reforça a importância da via aérea e da via láctea na exposição do lactente ao tabagismo materno, como também o fato de que esta exposição é significativamente mais intensa quando a mãe fuma durante o aleitamento.

Mais recentemente, Mascola et al procuraram avaliar a importância, separadamente, do aleitamento e da inalação passiva na exposição de lactentes aos produtos do tabaco. Observaram que filhos de mães fumantes que amamentam têm níveis de cotinina 10 vezes mais elevados que filhos de mães fumantes alimentados com leite artificial, sugerindo que o aleitamento, mais do que a exposição passiva à fumaça tabaco, a partir do ambiente domiciliar, é o determinante dos níveis de cotinina em crianças cujas mães fumam. Destaca-se que os níveis de cotinina detectados em crianças filhas de mães fumantes que amamentam são equivalentes aos dos fumantes ativos.

É importante lembrar que a cotinina é apenas um marcador biológico do tabagismo. Não se sabe ainda sobre a identificação e a quantificação de outros componentes nocivos do tabaco que possam estar presentes no leite humano de nutrizes fumantes e os seus efeitos adversos para a saúde de lactentes e crianças. A própria exposição via leite pode estar alterada, em função da redução da produção láctea e da diminuição da gordura no leite materno provocadas pelo tabagismo(48).

A nicotina é o segundo componente tóxico mais abundante no tabaco. Por ser um alcalóide básico (pKa1=7,8), ela alcança concentrações consideravelmente mais altas no leite que no soro (leite/soro =2,9 ± 1,1), em função do pH mais ácido do leite. Existe uma correlação entre a concentração de nicotina no leite e no soro e concentrações mais altas são encontradas 10 minutos após fumar. Em função da sua curta meia vida, tanto no soro (80 minutos), quanto no leite (95 minutos), a real concentração da nicotina no leite não depende apenas do número de cigarros fumados por dia, mas do tempo decorrido entre o último cigarro consumido e o início na amamentação.

Estudos em animais mostraram que a exposição ao tabagismo diminui a concentração de prolactina e inibe a produção de leite. Observações em mulheres que estão lactando também indicam que o tabagismo diminui a concentração de prolactina e diminui a duração do aleitamento.

Além disso, crianças amamentadas, filhas de fumantes, ganham peso numa velocidade menor que filhas de não fumantes, sugerindo assim que o tabagismo pode afetar a produção do leite. No Chile, Vio, Salazar e Infante estudaram a produção diária de leite por diluição de deutério, em mães fumantes entre um e três meses de lactação. Observaram que estas mães apresentavam uma produção diária de leite significativamente menor do que as mães não fumantes (693 ± 110 vs. 961 ± 120 g/dl; p

A literatura tem aventado mecanismos hormonais e comportamentais para explicar estes achados. Estudos em animais, tabagismo experimental ou injeção de nicotina, têm demonstrado, claramente, o efeito inibitório dessa droga sobre a liberação de prolactina de ratas. A nicotina bloqueia o aumento da produção de prolactina induzido pela sucção, o que foi demonstrado em ratas puérperas sem, contudo, interferir na liberação do leite. Em outro estudo, no quinto dia de lactação, ratas que receberam nicotina apresentavam níveis de prolactina nove vezes menor que as não tratadas, cessaram a produção de leite e a maioria dos filhotes morreu de inanição. Evidências indicam que o efeito da nicotina na secreção de prolactina se deva à ativação de receptores nicotínicos de neurônios dopaminérgicos túbero-infundibulares, liberando dopamina como inibidor de prolactina.

Os efeitos agudos e crônicos da injeção de nicotina sobre a liberação de prolactina em ratos foi avaliado por Hulihan-Giblin et al.. Estes autores observaram que uma única injeção de nicotina induz, inicialmente, um aumento da concentração de prolactina. Quando a nicotina é administrada uma segunda vez, uma a duas horas após a primeira injeção de nicotina, a resposta da prolactina é muito menor ou ausente. Contudo, dentro de 24 horas, após uma única injeção, a resposta da prolactina é restaurada.

Os mesmos autores avaliaram o efeito da injeção crônica de nicotina sobre a liberação de prolactina induzida pela própria nicotina. Constataram que o tratamento com nicotina por 10 dias em ratos machos (2 injeções diárias) aboliu a liberação de prolactina. Nesta condição, a liberação de prolactina só veio a ser restaurada após 14 dias da última injeção crônica. Concluíram que a nicotina age como um antagonista temporal, inativando a função de receptores colinérgicos nicotínicos hipotalâmicos.

Em seres humanos, observou-se que os níveis de prolactina foram 40% menores em mulheres fumantes, e o tempo de desmame foi menor. Diferente dos estudos com animais, os incrementos de prolactina sérica durante a mamada não foram significativamente diferentes entre tabagistas e não tabagistas, nem foi obtida uma correlação entre os níveis de prolactina e de produção láctea.

Na mulher fumante, a justificativa de um único mecanismo de natureza hormonal interferindo sobre a produção láctea é complicada por confundidores comportamentais e demográficos. Mães fumantes compartilham mais traços demográficos com mães que não amamentam; filhos de mães fumantes demoram mais tempo para sugar após o nascimento e exercem uma menor pressão de sucção, o que também pode influenciar a resposta endócrina e a produção láctea.

O conhecimento atual sobre a relação entre níveis hormonais e produção láctea não deixa claro qual seria a real relação causal para a diminuição da quantidade de leite nas mães que fumam. Os níveis de prolactina entre mães fumantes que desmamam ou continuam a amamentar não divergem significativamente. Mesmo em condições normais de lactação, sabe-se que alguma prolactina é necessária para a lactogênese e para a lactação continuada. Contudo, esforços repetidos para correlacionar produção láctea e produção materna de prolactina não têm produzido resultados consistentes.

Tanto a lactação como o tabagismo estão associados a mudanças do metabolismo das gorduras. Hopkinson et al., estudando o leite de mães de prematuros, encontrou redução de 19% no teor de gordura do leite no grupo das fumantes. Com base nesses dados, os autores discutem se a redução da atividade da lipase lipoprotéica encontrada no tabagismo não poderia explicar a baixa concentração de gordura do leite e a baixa produção láctea de mães fumantes.

Embora crianças de mães tabagistas tenham diferenças de comportamento ao amamentar, tais como mais episódios de cólica e redução da freqüência e amplitude da sucção, essas diferenças não conseguem explicar a menor produção de leite entre as mães de crianças que não sugam. As bases fisiológicas para explicar a menor produção de leite de mulheres tabagistas necessitam ser melhor estudadas.

A íntegra do artigo pode ser lida aqui.

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