terça-feira, 3 de maio de 2016

Aleitamento Materno: quanto o álcool pode influenciar na saúde do bebê?


Retirado do artigo de mesmo nome, de autoria de Adriana T. Kachani, Ligia Shimabukuro Okuda, Ana Lucia Rodrigues Barbosa, Silvia Brasiliano e Patrícia Brufentrinker Hochgraf, para o Programa de Atenção à Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (PROMUD- IPq- HC- FMUSP), de 2008


Mitos relacionados ao consumo de álcool

O aleitamento materno, além de ser biológico, é histórica, social e psicologicamente delineado através da cultura, com suas crenças e tabus, que influenciam de forma crucial sua prática (8). Em vários povos persiste a crença de que o álcool seria galactogênico, ou seja, que o consumo de pequenas quantidades de álcool imediatamente antes do aleitamento facilitaria a produção de leite nas glândulas mamárias. Trabalho realizado com 40 mulheres lactantes mostrou que 45% delas receberam aconselhamento de seus médicos e/ou enfermeiras para consumir álcool durante a lactação e 35% delas receberam o mesmo conselho de familiares e amigos (9).




No México, mulheres em fase de aleitamento são encorajadas a beber cerca de 2 litros diários de pulque, uma bebida fermentada a partir da Agave Atrovirens,, que possui uma pequena porcentagem alcoólica. Na Alemanha, a cerveja é considerada um “elixir mágico”, enquanto a comunidade Indochinesa da Califórnia prefere ervas medicinais embebidas em vinho (10). Já os chineses utilizam uma mistura de porco, grão de bico, sopa de lulas e cabeças de camarão, com vinho doce feito de arroz glutinoso adicionado de insetos (8). Em 1895, era produzido nos Estados Unidos Malt Nutrine, uma cerveja de baixo teor alcoólico composto de malte de cevada e lúpulo (10).

No Brasil, a cultura popular também recomenda a ingestão de cervejas mais escuras e “fortificadas”. Por não serem filtradas, é fato que contêm mais proteínas e lúpulo. Uma delas, com um touro como símbolo, reforça a idéia de força e vitalidade necessárias para a amamentação e até dispõe de receitas com ovo, mel ou aveia para que seu conteúdo seja ainda mais fortificado (11).


Fontes pesquisadas

A revisão bibliográfica foi realizada no Sistema “MED-LINE” (Index Medicus) cruzando os descritores “álcool” e “aleitamento materno”, além de diversos unitermos relacionados a eles, tais como: etanol, alcoolismo, amamentação, produção de leite humano, entre outros. Todos os termos foram usados em língua inglesa. Diversos trabalhos eram caracterizados como estudos de múltiplos fatores associados ao aleitamento materno, não havendo uma preocupação específica com o consumo alcoólico. Em virtude da restrita literatura sobre o assunto, não foi estabelecido nenhum período de publicação do artigo para ser incluído nesta revisão. Alguns livros de referência brasileiros também foram consultados.


Dados obtidos


Consumo de álcool
Nenhuma substância que cause dependência química deve ser ingerida pelas mães lactantes, não só pelos efeitos fisiológicos sobre a criança, mas também pelos danos à saúde física e emocional das mesmas (21). Em doses reduzidas e esporádicas, o álcool é considerado compatível com a amamentação, porém a Academia Americana de Pediatria (AAP) não fornece uma dose máxima segura. No entanto, esta mesma Academia (33) considera o alcoolismo uma contra-indicação ao aleitamento, uma vez que em grande quantida- de o álcool pode causar sonolência, perspiração, sono profundo, atraso no crescimento e diminuição do ganho de peso.

Sabe-se que crianças mamam menos ao serem expostas ao álcool – cerca de 20% menos – durante as 4 primeiras horas após a ingestão. Porém, de 8 a 12 horas após o consumo de álcool, as crianças costumam compensar sua necessidade energética mamando um número maior de vezes (34). A mesma autora observou (9) que existe uma importante correlação inversa entre os hábitos de consumo alcoólico e o ritmo e freqüência de sugadas no leite que contém álcool. Ou seja, quanto mais doses consumidas, menor quantidade de sugadas totais, sugadas por seio e maior número de pausas realizadas pelos bebês. Mas esta diminuição não está relacionada com a rejeição ao sabor alcoólico, ao contrário, este, por possuir um sabor acentuado e doce estimularia o consumo. Uma vez que estudos em animais revelam que jovens acumulam memória orosensória durante o aleitamento, a percepção do álcool no leite materno poderia contribuir para possíveis abusos ou dependência numa idade mais avançada (35). Trabalho recente (36) aponta uma preferência ao sabor doce por pacientes dependentes de álcool relacionados a história familiar de dependência, o que poderia ser resultado do aleitamento materno contaminado por álcool.

Sabe-se que as experiências sensoriais do bebê durante os dois primeiros meses de vida têm um efeito residual, mesmo que para um indivíduo não seja possível encontrar na sua memória consciente as lembranças deste período de vida. O leite materno representa para o bebê um veículo potencial de experiências ricas e complexas, sendo um reflexo da cultura e dos hábitos alimentares de seus pais (37).

Evidências apontam que o consumo moderado de álcool desorganiza a produção dos dois hormônios principais responsáveis pela lactação – a prolactina e a oxitocina, responsáveis respectivamente pela indução da secreção e pela ejeção do leite (38). Logo após a exposição ao álcool, o nível da prolactina aumenta enquanto a oxitocina diminui, tanto durante quanto depois da estimulação do seio da mãe (10).

Esses resultados sugerem que, ao contrário do que se acreditava antigamente, o consumo de álcool a curto prazo desregula a liberação dos hormônios responsáveis pela lactação. Além disso, a diminuição da oxitocina relaciona-se com a redução no rendimento e na ejeção do leite e, conseqüentemente, na diminuição da ingestão de até 20% do leite (39). A AAP (33) alerta que a ingestão superior a 1g/kg diminui a ejeção de leite, porém as conseqüências dessa desorganização hormonal a longo prazo na perfomance da lactação e na saúde da mulher ainda permanecem desconhecidas (38).

Ao contrário da sabedoria popular, crianças expostas ao álcool durante as mamadas têm uma redução do tempo de sono REM (rapid eye movement), o que faria com que dormissem por períodos mais curtos de tempo durante as 3,5 horas após o aleitamento (40).

No que diz respeito ao desenvolvimento do bebê, ainda é desconhecido o efeito da exposição ao álcool. Ao buscar uma deficiência motora em crianças de 18 meses associada ao consumo moderado de álcool durante a lactação, pesquisadores concluíram que não seria possível afirmar que o álcool foi maléfico, já que a idade insuficiente das crianças, não permitiu a mensuração através das escalas propostas (20).


Aplicação prática/ recomendações

• A mãe que consome álcool regularmente deve ser orientada a observar a criança em relação a possíveis efeitos colaterais, tais como alteração no padrão alimentar, hábitos de sono, agitação, tônus muscular, distúrbios gastrointestinais, etc (8,22);
• A mãe deve ser lembrada também a armazenar com antecedência leite no congelador para alimentar
seu bebê caso haja algum episódio de binge drinking;
• Após a ingestão de mais de 1 dose, a mãe deve evitar o aleitamento por duas horas. Durante este intervalo, deve extrair o leite e desprezá-lo (21);
• Durante o aleitamento materno, não se deve ultrapassar a quantidade de 0,5g de álcool/ kg de peso / dia (22);


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