Por Fernanda Mainier Hack
Publicado originalmente na comunidade Meu Filho é alérgico a leite do Orkut
A
anemia ferropriva é a carência nutricional mais prevalente no mundo,
acarretando prejuízos a curto e longo prazo no desenvolvimento
neuropsicomotor e na aprendizagem, além de comprometimento na resposta
do sistema imunológico.
Os sinais e os sintomas mais
frequentemente observados são inespecíficos, como palidez, falta de
apetite, apatia, irritabilidade, cansaço, fraqueza muscular e
dificuldade na realização de atividade física, dificuldade no ganho de
peso. O diagnóstico do estado nutricional relativo ao ferro é realizado
principalmente por meio de exames laboratoriais. Os indicadores de
deficiência de ferro são difíceis de interpretar em crianças, devido às
variações fisiológicas em diversas fases do crescimento e do
desenvolvimento, além de sofrerem influência de outros fatores, como os
processos infecciosos.
No Brasil, a anemia ocorre
em cerca de 40 a 50% das crianças menores de cinco anos, não havendo
diferenças entre as macrorregiões. Seu comportamento endêmico permite
que crianças e mães sejam afetadas, independentemente das condições
socioeconômicas.
EM
CRIANÇAS, ESPECIALMENTE AS MENORES DE DOIS ANOS, A NECESSIDADE DE FERRO É
ELEVADA DEVIDO AO INTENSO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO, E A INGESTÃO
DE ALIMENTOS FONTE DE FERRO COM BOA BIODISPONIBILIDADE TENDE A SER
INSUFICIENTE, O QUE AUMENTA A CHANCE DE CARÊNCIAS E RELACIONA-SE AOS
ELEVADOS ÍNDICES DE ANEMIA FERROPRIVA OBSERVADOS NESSA FAIXA ETÁRIA, o que aumenta a chance de carências e relaciona-se aos elevados índices de anemia ferropriva observados nessa faixa etária.
Anemia x Leite materno
O
leite materno é reconhecido como o alimento adequado para a criança nos
primeiros meses de vida, não só pela sua disponibilidade em energia,
macro e micronutriente, mas também pela proteção que confere contra as
doenças. Embora a quantidade de ferro no leite materno não seja alta, a
biodisponibilidade é elevada, podendo suprir as necessidades
nutricionais da criança nos primeiros seis meses de vida. A partir daí,
devem ser acrescidos ao esquema alimentar os alimentos complementares
disponíveis na unidade familiar, com o objetivo de ampliar a
disponibilidade de energia e de micronutrientes da dieta,
particularmente do ferro.
Estudos identificaram, ainda,
independentemente do regime alimentar adotado, que o consumo de chá e/ou
água, aparentemente inofensivo, reduz os níveis médios de hemoglobina
em quase 1 ponto. Assim, a exclusão de chá e água do esquema alimentar
das crianças menores que 6 meses se justifica, não somente pelo risco de
contaminação, da promoção das doenças e do abandono da prática do
aleitamento materno, mas também pela associação com o declínio dos
níveis de hemoglobina.
O consumo de leite materno por crianças de seis a 12 meses de idade eleva os níveis de hemoglobina em quase meio ponto.
O
abandono precoce do consumo do leite materno, a inclusão do leite de
vaca no esquema alimentar e a escolha inadequada das preparações, aliada
à baixa quantidade dos alimentos complementares oferecidos à criança,
podem explicar em parte a alta prevalência de níveis de hemoglobina
compatíveis com a anemia entre as crianças. Essa conclusão é sustentada
por informações consistentes de que o consumo do leite materno associado
aos alimentos complementares é capaz de suprir as necessidades de ferro
da criança entre os seis e 12 meses de vida.
Estoques de ferro
Entre
as estratégias de escolha para combater a anemia nos primeiros anos de
vida, destaca-se também o controle dos eventos associados à gestação e
ao processo da lactação que possam interferir no declínio dos níveis de
hemoglobina da criança. Nesse sentido o controle da anemia
materna durante a gestação, evento de alta prevalência, mesmo entre as
mulheres de países desenvolvidos, o baixo peso ao nascer e/ou a
prematuridade, impedem a realização da reserva de ferro fetal necessária
para usar durante os primeiros seis meses de vida.
No
último trimestre de gestação, a transferência de ferro acentua-se
paralelamente ao ganho ponderal fetal. Os recém-nascidos a termo com
peso adequado ao nascimento apresentam depósitos suficientes para suprir
suas necessidades por 4 a 6 meses. Os recém-nascidos prematuros
apresentam maior necessidade de ferro exógeno em decorrência dos
depósitos insuficientes e de sua elevada velocidade de crescimento
pôndero-estatural.
São considerados sob risco de desenvolvimento de deficiência de ferro:
- Recém-nascidos prematuros, pequenos para a idade gestacional e filhos de mães diabéticas.
-
Lactentes com curta duração de aleitamento materno exclusivo, aqueles
alimentados com leite de vaca e outros que recebem alimentação
complementar com baixo teor e/ou com baixa biodisponibilidade de ferro.
- Crianças e adolescentes portadores de doenças crônicas e/ou com indicadores socioeconômicos de pobreza.
- Bebês com alergias alimentares e sintomas gastrointestinais.
Uma outra forma de aumentar os estoques de ferro do bebê é retardar o corte do cordão umbilical ao nascer.
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Ferro heme e ferro não-heme
O ferro não-heme está presente em alimentos de origem vegetal e apresenta baixa biodisponibilidade (1 a 8% de absorção). O processo absortivo dessa forma de ferro sofre influência de fatores facilitadores (ácido ascórbico, carotenóides, frutose, citrato, alguns aminoácidos presentes em carnes - cisteína, histidina e lisina) e inibidores (fitatos,
fibras, cafeína, oxalatos, compostos fenólicos, cálcio, fósforo e
zinco). Os fitatos presentes em cereais e nas sementes de leguminosas e
os compostos fenólicos encontrados na cebola, edulcorantes e
achocolatados são potentes inibidores da absorção do ferro.
O ferro heme deriva da hemoglobina, mioglobina e outras heme-proteínas presentes em alimentos de origem animal e apresenta elevada biodisponibilidade não influenciada por fatores inibidores da absorção.
Ferro e biodisponibilidade
A
biodisponibilidade do ferro no leite humano é elevada (50%)
comparativamente à das fórmulas infantis (4 a 14%) e do leite de vaca
(10%).
O ferro contido em alimentos como carnes, vísceras,
cereais (com exceção da aveia), algumas hortaliças (como nabo e
brócolis), algumas frutas (como limão e laranja) e açúcar mascavo, por
exemplo, apresentam alta biodisponibilidade.
Por outro
lado, o ferro contido em alimentos como o ovo, aveia, espinafre,
beterraba, leguminosas, algumas frutas como o abacate apresentam baixa
biodisponibilidade.
É muito importante a escolha dos alimentos na alimentação complementar para garantir um bom suprimento de ferro.
Deficiência de ferro e anemia
A
deficiência de ferro e anemia pode ser identificada em três fases, do
ponto de vista de sua instalação e caracterização por exames
laboratoriais:
- Depleção de ferro –
ocorre quando a oferta é incapaz de suprir as necessidades. Produz
inicialmente redução dos depósitos, que se caracteriza por ferritina
baixa, sem alterações funcionais.
- Eritropoiese ferro-deficiente –
se o balanço negativo continua, instala-se a segunda fase,
caracterizada por diminuição do ferro sérico, saturação da transferrina
abaixo de 16% e elevação da protoporfirina eritrocitária livre.
- Anemia por deficiência de ferro – a hemoglobina apresenta-se abaixo dos padrões de normalidade para idade e sexo.
Diagnóstico e exames
Anemia em menores de 5 anos = hemoglobina menor que 11 g/dl.
Entre 5 e 11 anos = hemoglobina menor que 11,5 g/dl.
Alterações no hemograma:
- hemoglobina baixa;
- análises dos glóbulos vermelhos (hipocromia e microcitose);
- RDW maior que 14,5 %
- Redução dos reticulócitos.
Lembrar que o hemograma para fins de anemia não deve ser feito na presença de processos infecciosos, que alteram o exame.
Ferritina:
As baixas concentrações indicam depleção do depósito de ferro na
ausência de processos infecciosos vigentes. Os valores de referência de
ferritina para identificação de deficiência nos estoques de ferro variam
de 10 a 16 μg/l.
As dosagens de ferro sérico,
transferrina e saturação da transferrina (ST) são limitadas para
avaliação da deficiência de ferro. O ferro sérico é considerado baixo em
crianças de 1 a 5 anos quando inferior a 30 μg/dl ou 5,4 μmol/l.
Alterações nos exames
No primeiro estágio (onde ainda não há anemia, mas começam a diminuir as reservas de ferro): apenas ferritina baixa.
No segundo estágio (reservas diminuídas, mas ainda sem anemia): ferro sérico e ferritina baixas.
No terceiro estágio (anemia ferropriva instalada): hemoglobina, VCM, HCM, ferro sérico, ferritina baixos e RDW aumentados.
Nos primeiros dois estágios é importante aumentar a ingesta de alimentos ricos e com alta biodisponibilidade de ferro.
Tratamento
O tratamento geralmente dura de 3 a 6 meses e deve ser feito com suplemento de ferro.
O sulfato ferroso tem sua ação facilitada pela ingestão conjunta de vitamina c.
Bebês e crianças com problemas gastrointestinais costumam tolerar melhor o ferro quelato ou hidróxido de ferro polimaltosado.
Além
do tratamento medicamentoso, deve-se oferecer à criança uma dieta
equilibrada e rica em alimentos com alta biodisponibilidade de ferro.
Prevenção
- Amamentação exclusiva até o sexto mês;
- Não utilização de leite de vaca no primeiro ano de vida;
- Suplementação profilática (entre 6 meses e 2 anos)
- Dieta equilibrada com ingestão de alimentos ricos em ferro com alta biodisponibilidade, ESPECIALMENTE A CARNE VERMELHA.
Ferro e alergia alimentar
Os
bebês com alergia alimentar e especialmente aqueles que têm reações
gastrointestinais costumam ter uma relação delicada com a suplementação
de ferro.
Isso porque não é raro que esses bebês tenham
perda de sangue pelas fezes, o que contribui para a anemia. Por outro, é
muito comum haver uma intolerância ao ferro. O que costumamos ver na
prática do nosso grupo é que a forma quelada é melhor tolerada que a a
forma ferrosa.
Outra questão é iniciar a introdução da
quantidade de ferro prescrita com 1 gota por dia e ir aumentando
gradativamente até a dose tolerada pela criança. Outra dica é fracionar a
dose em outras menores ao longo do dia.
O uso do ferro
costuma alterar o aspecto das fezes que ficam mais escurecidas. E
enquanto algumas crianças tendem a constipar outras podem ter diarreia.
Converse com seu gastropediatra a respeito dessas possibilidades.
Observações importantes
- Prematuros e bebês de baixo peso devem receber suplementação de ferro.
- Bebês não amamentados e que não tomam fórmula devem receber suplementação mesmo antes dos 6 meses.
Fontes:
- Anemia ferropriva em lactentes: revisão com foco em prevenção. Artigo do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, 2012. Disponível em
http://www.sbp.com.br/src/uploads/2015/02/Documento_def_ferro200412.pdf
- Anemia carencial ferropriva. Disponível em http://www.sbp.com.br/img/documentos/doc_anemia_carencial_ferropriva.pdf
- Níveis de hemoglobina, aleitamento materno e regime alimentar no primeiro ano de vida.
Rev. Saúde Pública vol.38 n.4 São Paulo Aug. 2004. Disponível em http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102004000400010