segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Relato de Amamentação da Mariana, mãe da Isabel


Acréscimo feito em novembro de 2017:
O relato que você vai ler agora é o relato do que não deveria ter acontecido. Na verdade, do que não precisava ter acontecido. 

Na época, eu acreditei no que diziam os meus médicos: eles disseram que eu deveria escolher entre a amamentação e o meu tratamento. Foi por isso que eu suportei a dor por tanto tempo; foi por isso que eu quase morri e comprometi minha saúde a ponto de carregar sequelas até hoje. Foi por isso também que eu desmamei abruptamente a Isabel quando notei que eu morreria se não me tratasse; o que também gerou nela traumas emocionais com que temos que lidar até hoje.

No GVA eu descobri que nada disso seria necessário: todos os remédios de que eu precisava eram compatíveis com a amamentação! Até mesmo aquele que, na época em que escrevi o relato, eu ainda achava que precisaria esperar para tomar. Não precisaria.

Se você chegou a esse relato porque um médico te disse que precisa desmamar para se tratar, te peço para dar uma olhada no www.e-lactancia.orge verificar a compatibilidade dos remédios antes de decidir. Você e seu bebê não precisam passar pelo que eu e a Bel passamos.

Segue agora meu relato:


Eu nunca me vi como alguém que lutou para amamentar. Também nunca vi nenhuma das minhas posturas como sacrifícios... Para mim é tudo tão obvio: a prioridade é sempre o bebê. Então, nada mais natural do que abrir mão do que possa vir a fazer mal para ele. Foi com esse pensamento que, ao descobrir que eu estava grávida, parei de beber, de alisar o cabelo e de tomar meus remédios. Simples assim.

Quer dizer, não foi tão simples assim parar o remédio. Eu simplesmente senti repulsa do meu remédio. Enjôo mesmo, antes de saber que estava grávida. Assim, no terceiro dia em que eu vomitei o comprimido inteirinho, decidi não tomar mais. Poucos dias depois, descobri a gravidez e aí entendi que meu corpo estava defendendo meu bebê. Passei a usar homeopatia com muito sucesso.

Minha filha nasceu num lindo parto domiciliar, mamou na primeira hora. Nunca tive nenhuma dificuldade com pega, falta de leite, bico rachado. Amamentar, para mim, sempre foi algo muito simples, natural e gostoso...e demorado!

Demorado porque Isabel passava mais, muito mais tempo agarrada a mim do que fazendo qualquer outra coisa. Haja sling, cama compartilhada e TV sem som!

Demorado porque chegamos aos 2 anos e 3 meses dela em franca amamentação. Isabel mamava muito quando estava comigo. Mais ou menos por essa época, entretanto, ela pediu para dormir no quartinho dela. Eu achei que este seria o fim da cama compartilhada mas...

Mas eu tive uma briga feia com meu marido, que resultou na saída dele de casa. Não sei se por perceber meu sofrimento e solidão ou se por demanda dela mesma, mas o fato é que a partir deste episódio ela voltou a dormir comigo. E voltou a mamar muito à noite.

Com o emocional em frangalhos, descuidei dos horários das minhas bolinhas de homeopatia. Resultado disso? Uma crise violentíssima do meu até então adormecido lúpus.

Não posso continuar este relato sem falar um pouco da minha doença. Sofro de Lúpus Eritematoso Sistemico (LES) desde os meus 16, 17 anos. Essa doença pentelha me causa muita dor articular, manchas feias pelo corpo, queda de cabelo e uma infinidade de outros incômodos. Dói muito. Muito mesmo.

Além dos sintomas aos quais eu já estava acostumada, dessa vez tive meus músculos atacados, perdi massa muscular, senti muita dor e fiquei muito fraca. Tive uma desidratação violenta, meus rins funcionaram mal, pulmão e coração ficaram debilitados. Eu tinha falta de ar todos os dias, taquicardias assustadoras, sensação de desfalecimento ao mínimo esforço. Tudo isso tendo que cuidar da Isabel sozinha, sem marido, triste como nunca. E amamentando!

Não procurei meu reumatologista porque sabia que ele me mandaria voltar pros remédios fortes que me impediriam de amamentar. Adiei o máximo que eu pude esse retorno. Eu sabia, eu sentia que Isabel precisava ainda mamar. Fui levada às pressas para o hospital por duas vezes, fui atendida na emergência e voltei para casa porque queria continuar amamentando minha pequena. Nesse estágio, amamentar era a única coisa que eu ainda conseguia fazer por ela, pois fraca e sentindo fortes dores, não conseguia mais pegá-la no colo, nem banhá-la, nem a pôr para dormir. Nem nada. Minha família se revezava na minha casa para me ajudar com tudo, absolutamente tudo. Eu não conseguia mais cuidar de mim...ou dela.

Um dia, enquanto ela mamava, senti meu corpo desfalecer. Achei que morreria ali, com minha filha sugando o que restava da minha vida. Rezei baixinho, pedi a Deus que me deixasse ficar um pouco mais aqui na terra. Pedi a Ele que não deixasse minha Isabel sem mãe tão cedo. Eu sabia que ela mamava pedindo a mesma coisa. Eu sabia que o peito, naquela hora, era para ela o desejo de ainda ter mãe.

Eu precisava desmamar. Eu precisava viver.

Foi a decisão mais dura que já tomei. Foi a decisão mais difícil da minha vida. E a mais solitária também. Ninguém entende uma mãe de filha grande que, vendo a morte tão de perto, tem dúvidas sobre voltar a tomar os remédios. Chorei. Minha alma chorou. Desmamei. Abruptamente, como não imaginei que aconteceria nem em pesadelos.

Disse para a Isabel que a mamãe estava muito doente, mas que a mamãe queria ficar boa. Disse que, para ficar boa, a mamãe ia precisar tomar um remédio que estraga o leite. Pedi que ela mamasse pela última vez, para se despedir. Nunca vou esquecer os olhinhos dela me mirando fixamente naquela “última mamada”. Não teve choro, não tivemos testemunhas. Ela esvaziou, pela primeira vez, as duas mamas e me disse “Pronto, mamãe! Pode tomar o remédio.” Eu tomei um comprimido qualquer, apenas para finalizar o ritual.

Essa noite foi difícil. Minha filha chorou muito a noite toda pedindo o peito. Pedindo para “beber mamá”. Eu chorava no meu quarto. Chorava a dor no corpo, chorava a injustiça de não poder amamentar. Chorava o peito que transbordava de um leite que não podia ser da minha filha. Chorava o medo da morte. Choramos as duas por toda aquela dura noite.

No dia seguinte fui levada ao hospital...dessa vez não saí de lá.

Os primeiros dias no hospital foram de muito sofrimento físico. A dor era tanta, por todo o corpo, que eu não conseguia lembrar direito que tinha uma filha. Lembro de ter implorado a Deus que me levasse. Chega desse sofrimento. Lembro de ter gritado, de ter chorado. Lembro de não melhorar. Lembro que, em algum lugar da minha alma, sentia haver nesse mundo menininha que me chamava de mamãe...e que isso era razão para lutar por uma vida que parecia não querer ser mantida.

Lembro também que comemorei quando finalmente me deram os tais remédios dos quais havia fugido pro tanto tempo. Por uma infeliz ironia, eu agora não conseguia querer outra coisa que não fossem justamente aqueles remédios. Os peitos pareciam tão vazios de leite quanto o corpo estava vazio de vida.

Foi no oitavo dia de internação que aconteceu o inesperado. Eu estava tomando meu café da manhã, sozinha no quarto quando de repente os peitos encheram. Transbordaram ao mesmo tempo! Dois jatos de leite saindo sem parar, me lembrando que eu era mãe, me lembrando que eu era nutriz...cruel lembrança. Esse leite não alimentaria ninguém. Esse leite não servia para nada.

Lágrimas, muitas lágrimas nos olhos e na alma. Ordenhei ali mesmo e enchi dois copos. Me socorreram. Aos prantos, fui levada para a maternidade do hospital, onde ordenhei mais uma mamadeira cheia em cada seio. Tanto leite, tanta fartura...e minha Isabel tão longe de mim.

Foram mais 12 dias internada depois deste único episódio. Vinte dias ao todo. Vinte dias sem ver minha filhinha. Uma amiga me levou uma homeopatia para “secar” o leite. Decidi não tomar. Meu corpo saberia o que fazer.

Quem já passou algum tempo longe dos filhos será capaz de entender a emoção do reencontro. O que ele tem a ver com o meu relato? Nada! Mas não posso deixar de contar que abraçar a minha filha depois daquela longa internação foi como encontrar o paraíso depois de ter estado no inferno. Encontrei uma Isabel tão diferente! Maior, mais falante. Mas ainda assim, minha!

Já em casa, ainda fraca, recuperando-me, tive que lidar com o rostinho da minha Isabel pedindo para mamar. Meu peito sempre cheio, roupas molhadas como se eu fosse uma puérpera. Choro dela, choro meu. Dias duros. Dor doída. Dor profunda que não desejo a ninguém.

Nesse meio tempo meu marido voltou para casa. Estamos até hoje tentando nos reencontrar, tentando reencontrar aquele amor tão lindo que eu sei que está por aqui em algum lugar.  Deve estar só um pouco empoeirado...

Três meses se passaram.

Um dia, passei mal a caminho do trabalho. Quase me arrastando, fui para o serviço médico do meu trabalho. Socorrida, fui orientada a procurar minha médica pois eu estava tendo sintomas de superdosagem de medicamento.

No dia seguinte minha médica me atendeu no hospital. Refez os exames e, surpresa das surpresas, estavam quase todos normais! Milagre? Eu acredito neles! Como meus remédios são fortíssimos, não podem ser retirados do organismo de uma só vez. Começaríamos o que costumam chamar de “desmame”. Ironia semântica...

Cheguei em casa e Isabel já dormia. Quando ela me viu no dia seguinte, perguntou imediatamente “Mamãe, já posso mamar?”

-Não sei, minha filha. Vou perguntar para a minha médica.

Poder, não podia. Dos sete medicamentos que eu ainda tomava, havia um sobre o qual não havia estudos relativos à amamentação. Seria arriscado, não se sabe o que aconteceria. Pedi para parar de tomar aquele remédio.

A médica, mesmo sem entender minha insistência, disse que poderíamos adiar (desde que não por muito tempo) aquela parte do tratamento. Foi com lágrimas nos olhos e calor na alma que recebi aquela notícia. Guardei segredo.

Na tarde do dia primeiro de fevereiro de 2013, estávamos só nós duas em casa. Isabel de banho tomado, dente escovado, pronta para dormir. “Mamãe, posso mamar?”

-Pode, minha filha!
-De verdade?!?!?!
-De verdade! A médica deixou.

Ela abriu minha blusa lentamente. Olhou meu seio demoradamente, acariciou...olhou para mim e sorriu. “Vai, filha! Mama!” Ela beijou o mamilo. Encostou a boquinha e me perguntou “Pode mesmo?” “Pode, meu amor!”

Foi um recomeço desajeitado...aquele tempo sem mamar fez com que ela esquecesse como se faz. Pela primeira vez nas nossas vidas, a pega estava errada. Doeu! Trinquei os dentes, fechei os olhos. Essa dor é fácil suportar!

Não sei quanto tempo ficamos ali deitadas. Sei que era dia quando começamos e noite quando ela, já dormindo, largou o peito. Quem se importa com horas, minutos? Como se preocupar com o tempo quando aquele seio há tanto abandonado reencontrou aquela boquinha amada? O cheirinho doce do cabelo molhado da minha Isabel entrando pelas narinas, minha vida novamente circulando para o corpo dela. Meu leite novamente útil! Eu, novamente MÃE.

Esse relato termina sem fim. Espero poder, daqui a pouco (ou muito!) relatar um desmame natural como eu sempre desejei e como minha filha merece. Espero poder dizer que minha doença foi controlada. Por enquanto, só posso dizer que minha filha reaprendeu a mamar. As feridas ainda existem nas nossas almas e na nossa memória, mas estão se curando.

Aos críticos, digo apenas que nós duas sabemos que a amamentação ainda é necessária. Mamando, minha filha supera a longa ausência da mãe dela. Mamando, recuperamos um tempo perdido. Mamando seguiremos até onde der...ou até que não precisemos mais.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Se o bebê está chupando o dedo, o que ele pode estar querendo dizer?

Uma abordagem ampla sobre a etiologia e prevenção do hábito de sucção digital baseada em evidências multidisciplinares.
Por Andréia Stankiewicz, cirurgiã-dentista, especialista em odontopediatria e ortopedia funcional dos maxilares. Dentista na clínica Vivavita – Odontologia & Saúde. Membro da ABONAM (Associação Brasileira de Odontologia Neonatal e Aleitamento Materno) e NEOM-RB (Núcleo de Estudos em Ortopedia dos Maxilares e Respirador Bucal). Moderadora do Grupo Virtual de Amamentação (GVA). Mãe da Luiza (4 anos) e do Pedro (2 anos). Pesquisadora, amante e praticante da maternidade ativa e consciente.
Publicado originalmente aqui.
- Eu sou normal!
Ainda durante a vida intra-uterina, instintivamente, o feto suga lábios, língua e dedos, de modo que estas funções encontram-se plenamente desenvolvidas ao nascer[1]. A sucção digital em fetos é considerada um reflexo necessário ao recém-nascido para sua sobrevivência.
Os hábitos bucais normais de fonação, mastigação, deglutição e sucção têm papel importante no crescimento crânio-facial e na fisiologia do sistema estomatognático. A sucção é considerada um reflexo inato, desenvolvido ainda no útero[2], e fundamental para a amamentação e para o desenvolvimento psicológico. Assim, esse reflexo torna-se importante para a instalação dos hábitos normais de um ser humano[3].
Sendo um reflexo, a sucção é involuntária e faz parte dos movimentos fetais e de recém-nascidos. Como o reflexo de preensão palmar desaparece a partir do terceiro ou quarto mês, o recém-nascido passa a ter movimentos voluntários, facilitando, portanto, a aquisição de um hábito com características voluntárias que pode persistir, ser modificado ou desaparecer[4].
A persistência da sucção de dedo não é freqüente em crianças bem amamentadas[5, 6]. Mais de 80% das crianças que recebem aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida não apresentam hábitos de sucção patológicos prolongados[7, 8].
Ao contrário da chupeta[9, 10, 11], o hábito de chupar o dedo não atrapalha a amamentação.
Muitos bebês que chupam o dedo dentro da barriga continuarão após o nascimento, embora não necessariamente[12]. E isto é normal, é fisiológico. A melhor forma de prevenir a transformação patológica deste tipo de hábito ao longo do tempo é através da amamentação.
- Eu consigo me acalmar sozinho!
Regular as emoções é uma tarefa complexa e difícil. Crianças levam tempo para desenvolver inteligência emocional, e esse aprendizado ocorre em diferentes épocas para diferentes tipos de regulação. Nesse meio tempo, a aprendizagem guiada orienta que os pais modelem o comportamento, respondendo às necessidades dos bebês, de forma que eles possam aprender a se auto-confortar.
Alguns pesquisadores acreditam que, quando os pais confortam seus bebês, eles estão modelando o comportamento que as crianças devem seguir para confortarem a si mesmas[13, 14]. De fato, eles argumentam que é assim que as crianças aprendem a se confortarem sozinhas de uma maneira saudável.
Bebês que chupam o dedo, todavia, já estão de certa forma regulando suas próprias emoções. Se tiverem pais responsivos, que os confortem e modelem apropriadamente o comportamento, ou seja, que se envolvam em práticas que promovem vínculos seguros, que respondam ao choro, e também que não impeçam nem substituam o hábito; então é muito provável que, com o tempo, eles desenvolvam mecanismos saudáveis para o mesmo fim (auto-conforto), não necessitando mais chupar o dedo.
Em contrapartida, pesquisas neurológicas[15, 16] sugerem que não atender às necessidades físicas e/ou afetivas do bebê ou deixá-lo chorando leva a falhas no desenvolvimento de técnicas saudáveis de regulação de emoções, o que pode servir de gatilho no sentido de promover a instalação de um hábito de sucção patológico.
- Estou com fome!
Levar os dedos ou mãos à boca é uma das formas do bebê indicar que está com fome e quer mamar. O choro é um sinal tardio, e acontece quando todos os demais sinais foram ignorados.

O aleitamento materno sob livre demanda deve ser encorajado, pois faz parte do comportamento normal do recém-nascido mamar com freqüência, sem regularidade quanto a horários. Aleitamento materno sem restrições diminui a perda de peso inicial do recém-nascido, favorece a recuperação mais rápida do peso de nascimento, promove uma “descida do leite” mais rápida, aumenta a duração do aleitamento materno, estabiliza os níveis de glicose do recém-nascido, diminui a incidência de hiperbilirrubinemia, previne ingurgitamento mamário[17] e satisfaz plenamente o impulso neural de sucção[18]. Inclusive o ato do bebê “chupetar” o peito após a mamada cumpre exatamente este papel (de saciar a necessidade neural de sucção), além de estimular a produção de leite; e por isso não deve ser desencorajado.
O tempo de permanência na mama em cada mamada também não deve ser estabelecido, uma vez que a habilidade do bebê em esvaziar a mama varia entre as crianças e, numa mesma criança, pode variar ao longo do dia dependendo das circunstâncias, e de acordo com a idade. É importante que a criança esvazie a mama, pois o leite do final da mamada – leite posterior – contém mais calorias e sacia a criança[19].
Os suplementos (água, chás, sucos, outros leites) devem ser evitados e o uso de chupetas/chucas/ mamadeiras também tem sido desaconselhado pela possibilidade de interferir com o aleitamento materno[17], além de trazer outros prejuízos ao desenvolvimento da criança.
Sabe-se que a necessidade neural de sucção e a fome fisiológica do bebê caminham em paralelo e que a única maneira de suprir a ambas, de forma plena, é através da amamentação. A ordenha do peito, em geral, é um processo demorado, ao passo que uma mamadeira pode ser esvaziada em menos de 5 minutos. A introdução de bicos artificiais gera um débito de sucção neural que frequentemente é compensado através da instalação de hábitos de sucção deletérios e indesejados[18].
- Meus dentes estão nascendo!
É comum que bebês amamentados com livre demanda aos 5 ou 6 meses comecem a sugar o dedo. Neste momento, em geral os dentes decíduos estão chegando e existe um grande desconforto dentro da boca.
As gengivas estão inchadas, coçam, a salivação está aumentada; ele deseja coçá-las, mas não tem coordenação para tanto. Seu dedo, entretanto, já conhece o caminho da boca (desde a vida intra-uterina). Nesse momento, entendendo que não se trata de impulso de sucção neural insatisfeito, mas da maturação neural da função seguinte – a mastigação -, o ideal seria oferecer-lhe, além de amor e atenção, um mordedor para superar o desconforto dessa fase e impedir o “reforço” de que dedo na boca é prazer, evitando assim a transformação em hábito[18].
A idade de erupção, na verdade, é bastante variável e muito individual (os dentes podem começar a irromper já nos primeiros meses após o nascimento, ou demorar seis, oito meses ou até mais para aparecerem). Da mesma forma, os bebês apresentam diferentes sintomas na dentição: alguns são pouco afetados, outros sofrem muito. A melhor maneira de consolar um bebê é dar-lhe muito amor – amamente com especial carinho[20].
- Estou descobrindo o mundo!
Durante esta fase do desenvolvimento classificada na psicologia como ‘fase oral’, o bebê leva tudo à boca, como forma de explorar e conhecer seu próprio corpo e o mundo que o cerca. O ser humano passa por diferentes etapas nesta construção, desde o chupar o polegar até elaborar pensamentos com diferentes estruturas[21].
O corpo é instrumento de comunicação e com ele é possível comunicar-se, desenvolver uma linguagem. É pelo corpo e através do corpo que o ser humano se comunica, recebe e envia mensagens e consegue ler o mundo.
O movimento ajuda a criança a construir conhecimento do mundo que a rodeia, pois é através das sensações e percepções que ela interage com o meio e aprende. Assim, brincando com seu corpo a criança vai construindo diferentes noções[22].
Um corpo organizado possibilita diversas formas de ação, sejam elas psicomotoras, emocionais, cognitivas ou sociais. Tanto chupar o dedo, que é natural nesta fase, como mamar, são, ao mesmo tempo, atos de prazer e de conhecimento[23].
O afeto, contido no desejo, manifestado pelo corpo, é determinante para a aprendizagem e não deve ser reprimido. “A criança aprende por experimentação, por experiências próprias. Aprender é aprender com o corpo, com a emoção. Do contrário essa criança vira um adulto desconectado do seu corpo e das suas emoções.” (Marcelo Michelshon, psicólogo)
Sucção é inata, é instintiva. É sinônimo de prazer, aprendizado e sobrevivência e perdura como necessidade vital durante um tempo prolongado. Esse período também é muito mais longo do que os adultos gostariam que fosse. É provável que o desenho original do ser humano tenha previsto uma amamentação e consequentemente necessidade de sucção mais prolongada, de três a cinco anos[24]. Estudos antropológicos sugerem que o período natural de amamentação para a espécie humana ficaria entre 2,5 e 7 anos[17]. A OMS recomenda amamentação exclusiva por 6 meses e complementada até os 2 anos ou mais. No segundo ano de vida, o leite materno continua sendo uma importante fonte de nutrientes, além de continuar conferindo proteção contra doenças infecciosas[17] e constituir a principal medida de prevenção contra o prolongamento patológico dos hábitos de sucção não nutritivos[18].
- Estou estressado (ou algo não vai bem…).
É consenso geral que aborrecimentos e traumas emocionais sofridos pela gestante ou pela mãe acarretam problemas ao desenvolvimento normal do bebê, como no caso de algumas situações resultantes de tensão emocional, que geram atividade motriz exagerada, permanecendo enquanto durar a tensão. Na relação da gestante com o feto, relata-se que o grau de aceitação da gravidez é fator bastante importante que, possivelmente, influencie o bebê na vida pré e pós-natal[25].
Quanto ao efeito dos problemas emocionais e/ou sistêmicos da gestante sobre o aparecimento dos sinais de sucção, estes foram observados em alguns bebês, ainda que os resultados não tenham sido significativos[26]. Da mesma forma, estados de satisfação com a gravidez (satisfeita/indiferente) também pareceu não interferir significativamente na sucção digital em fetos[26].
Contudo, mãe e bebê são seres fusionais (até cerca dos dois anos de idade), de forma que o bebê muitas vezes manifesta de diversas formas o inconsciente materno[24]. Por isso, é muito válido entender a situação emocional da mãe que está por trás das manifestações que tanto incomodam no bebê.
É preciso também levar em conta que o estresse, atualmente, deixou de ser reservado aos adultos. As crianças podem sentir-se sobrecarregadas desde muito cedo – complicações na gravidez, experiências traumáticas no parto, separação prolongada dos pais ao nascer, dificuldades na amamentação, amamentação com controle de horários, rotinas rígidas, pouco contato físico, treinamento precoce de sono (para dormir sozinho e/ou a noite inteira), ignorar/deixar chorar sem consolo, desmame precoce e/ou abrupto, introdução alimentar acelerada, ingresso precoce em creche/escolinhas, cuidados terceirizados, pressão para controlar os esfíncteres (desfralde precoce), nascimento de um irmão, mudanças, perdas, excesso de atividades, doenças físicas, emocionais – ansiedade, depressão, repressão, personalidade tímida, criação autoritária, etc…O cansaço extremo tem a capacidade de destruir o campo afetivo das crianças[24]. É presumível que uma criança pequena possa encontrar prazer autonomamente ao sugar, se suas necessidades, particularmente as afetivas, estão sendo negligenciadas.
A prática clínica também indica a possibilidade de relação entre o ato de chupar vigorosamente o dedo com causas orgânicas, como por exemplo, reação pós-vacinal e associado a quadros de irritabilidade gerados por alergia à proteína do leite de vaca (APLV), entre outras. Nestes casos, além das medidas preventivas básicas, é preciso buscar manejo/tratamento adequado para o problema que desencadeou o quadro.
Por tudo isso, é imprescindível discernir o hábito do dedo (quando patológico) com um olhar ampliado; não superficialmente, como um problema em si, mas como um potencial sinalizador de experiências negativas que a criança possa estar vivenciando/ou tenha em algum momento vivenciado. Simplesmente anular um sintoma (como o de chupar o dedo, por exemplo) não deveria jamais ser um objetivo[24]. Não sem antes entender seu significado, a raiz do problema, ou o que está sendo comunicado através dele.
Nunca se deve reprimir o hábito colocando luvas, pimenta ou outras substâncias de sabor e aroma fortes no dedo. Por ser extremamente sensível, o organismo infantil pode reagir muito mal ao que foi ingerido. Aliás, nenhuma atitude que possa agredir de qualquer forma a criança deve ser considerada. Ridicularizar, punir, envergonhar, chantagear e diminuir a criança, principalmente diante de outras pessoas, só aumenta a ansiedade, o que pode levar à piora do quadro. Ou ainda acabar desenvolvendo outros sintomas em substituição (angústias, terrores noturnos, choros desmedidos, doenças, apatia) – os quais podem ter sido gerados pelos adultos de forma não intencional, sem perceber.
Apoiar os filhos é entender e aceitar seus processos naturais de amadurecimento e crescimento, em seu tempo único[24]. Muitas vezes é necessário reajustar as próprias expectativas, adquirir conhecimento e segurança para lidar com as diferentes fases com naturalidade, a fim de se tornar capaz de oferecer a ajuda, o respeito, a segurança e o amor incondicional tão necessários para que as crianças cresçam com equilíbrio e superem qualquer problema/dificuldade.
- Eu não quero chupeta!
Ao contrário do que se costuma acreditar, os danos causados pela sucção prolongada de dedo e de chupeta podem ser bem semelhantes[27, 28], especialmente quando a criança não é suficientemente amamentada; o que, segundo dados do Ministério da Saúde, é muito comum no Brasil, já que a média de amamentação exclusiva é de 54 dias e apenas 10% das brasileiras conseguem amamentar exclusivamente até o sexto mês[29].
A sucção do dedo, contudo, tem como vantagem o fato de ser natural, intracorpórea, ter calor, odor e consistência mais parecidos com o mamilo além de ficar praticamente na mesma posição do bico do peito dentro da cavidade bucal. Durante a sucção do dedo, a língua vem para a frente, assim como na ordenha do peito materno e o padrão de respiração nasal é mantido[18]. A amamentação não é prejudicada. Por tudo isso, a orientação de substituir o dedo pela chupeta faz pouco sentido.
Dados epidemiológicos mostram que 10% das crianças chupam o dedo prolongadamente[7, 30], sendo frequente nestes casos a falta de amamentação ou o desmame precoce.
A crença popular dita que o hábito de sucção digital é mais difícil de ser descontinuado do que o da chupeta. Entretanto, dados de pesquisa demonstram que ambos, dedo e chupeta, na verdade, podem ser muito difíceis de serem superados pela criança. Em uma clínica de ortodontia, 92,3% das crianças apresentaram dificuldade de abandonar o dedo, enquanto outras 91% apresentaram a mesma dificuldade em relação à chupeta; uma diferença insignificante em termos estatísticos[31].
Segundo a visão autoritária dos adultos, é possível suprimir a chupeta. Mas essa atitude não leva a criança a se livrar de sua necessidade de sugar, ainda não superada. Cada etapa que é vivida plenamente termina plenamente e evolui para outros interesses.
Caso contrário, as necessidades não satisfeitas se deslocam e muitas vezes não se compreende a associação de causa e efeito. Por exemplo, vícios como o de fumar, a compulsão de comer, a dedicação insana ao trabalho ou os ciúmes desmedidos em certas relações afetivas à procura de prazer – sem, no entanto, conseguir encontrá-lo por meio dessa reparação ilusória, uma vez que se trata de uma transferência inconsciente e tardia de necessidades básicas que não foram satisfeitas. O fato de uma criança pequena sugar não apenas costuma ser normal, como esperado. É preciso se preocupar quando o hábito se torna patológico, impedindo a comunicação/interação social ou causando desequilíbrios sobre o desenvolvimento e doenças*. Nestes casos é importante intervir adequada e oportunamente. Simultaneamente, é imprescindível oferecer à criança presença, comunicação e diálogo para que ela adquira habilidades que a tornem capaz de superar as necessidades orais primárias[24].
A partir do exposto, conclui-se que orientação de substituir o dedo pela chupeta representa um grande equívoco. As evidências apontam que, em vez disso, os especialistas poderiam encarar o dedo com maior naturalidade e principalmente apoiar, promover e proteger o aleitamento materno pelo tempo que durar a necessidade oral da criança.
- Eu quero você!
Quando o abandono emocional é muito grande, advém a necessidade de procurar prazer solitariamente. Por isso nossos olhares devem se dirigir à necessidade original e não à maneira encontrada pela criança para aliviar suas dores, no caso, quando a sucção do dedo tende a se tornar patológica.
Em geral, os adultos têm sempre alguma coisa mais importante ou urgente para resolver; gostariam que a criança ficasse sozinha, mas sem chupar o dedo. Isso significa ficar duplamente sozinha. Quando a criança é tímida, precisa ainda mais da presença de um adulto que, com amor, volte a colocá-la no mundo do intercâmbio e da comunicação, da brincadeira e da fantasia criativa, e aí o hábito de sucção não nutritiva perde o seu valor.
Em relação à sucção digital, é, portanto, imprescindível avaliar se trata-se de uma condição normal, uma patologia ou, simplesmente, de uma criança que está sozinha e espera[24].
Acima de tudo, o bebê quer dizer:
- Papai/Mamãe, me aceitem como eu sou!
Sei que vocês criaram muitos planos e expectativas a meu respeito e podem estar se sentindo confusos e frustrados neste momento, com tantas orientações e opiniões contraditórias que circulam por aí. Mas se vocês estiverem ao meu lado, tentarem me entender, respeitarem essa minha fase e me derem muito amor – daquele jeito que eu entendo que sou amado e que só vocês são capazes de me amar – eu tenho certeza que superarei, no meu tempo, qualquer dificuldade ou fase. Eu sei que eu posso; confiem em mim. Eu confio em vocês!
Ass.: Bebê.
*P.S.: Nos casos de prolongamento patológico da sucção, a criança poderá necessitar de apoio especializado para conseguir superar o hábito. Quando existirem alterações de desenvolvimento oro-facial (anatômicas e/ou funcionais) e oclusal, o acompanhamento por dentista especialista em ortopedia funcional dos maxilares e fono especialista em motricidade oral é recomendável, bem como, provavelmente, um apoio psicológico especializado. A técnica do Mamilo[32], um acessório colocado em aparelhos ortopédicos mecânicos ou funcionais, ajuda a criança a satisfazer a necessidade residual neural de sucção, estressando o hábito (funciona como um estímulo de sucção alternativo ao natural, isto é, a amamentação no peito; e pode ser usado em fases bem precoces do desenvolvimento, a partir da confirmação da necessidade através de diagnóstico clínico apropriado). A resposta favorável do organismo na totalidade dos casos se deve à técnica atuar, não contra o hábito, e sim a favor da fisiologia, da biologia e da saúde da criança[18].
Leia mais sobre o Mamilo aqui
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1]Silva-Filho OG, Freitas SF, Cavassan AO. Hábitos de sucção – elementos passíveis de intervenção. Estomatologia e Cultura 1986;16:61–71.
[2]Estripeaut LE, Henriques JFC, Almeida RR. Hábito de sucção do polegar e má oclusão. Rev Odont Univ São Paulo1989;3:371–374.
[3]Finn SR. Odontologia pediátrica. 4ª ed. México: Interamericana, 1976;326–327.
[4]Grünspun H. Distúrbios neuróticos da criança. 2ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1966;351–374.
[5]Planas, P. Reabilitação neuroclusal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Medsi; 1997.
[6]Massler, M. Oral Habits: development and management. J Ped, v.7, n.2, p.109-19, 1983.
[7]Serra Negra, J.M.C.; et al. Estudo da associação entre aleitamento, hábitos bucais e maloclusões. Rev Odontol Univ São Paulo, v. 11, n. 2, p. 79-86, 1997.
[8]Commeford, M. Suckling habits in the breast-feeding versus non breast-feeding child. J Res Orofacial Muscle Imbal, v. 88, p. 18-19, 1977.
[9]Victora, CG; et al. Pacifier use and short breastfeeding duration. Cause, consequence or coincidence. Pediatr, 99, 445-53, 1994.
[10]O’Connor, NR, et al. Pacifiers and breastfeeding: a systematic review. Arch Pediatr Adolesc Med. Apr;163(4):378-82; 2009.
[11]Victora, CG; et al. Use of pacifiers and breastfeeding duration. Lancet, 341:405, 1993.
[12]Tenório, M.D.H. et al. Sucção Digital: observação em ultra-sonografia e em recém-nascidos. Radiol Bras, v. 38, n. 6, 2005.
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Diga não ao desmame abrupto! (com dicas para desmame gradual)

Diante a tantos relatos de desmames abruptos e precoces que não resultam em melhoria no sono, pelo contrário, resolvi agrupar informações sobre desmame abrupto e possíveis consequências para a mãe e criança. Espero que sirva para reflexões gerais na comunidade.

O desmame abrupto é extremamente traumático para toda a família e isto infelizmente ainda é comum: algumas mães deixam de dar o peito de uma hora para outra, com soluções drásticas como dormir fora e deixar a criança aos cuidados de parentes, aplicar produtos desagradáveis nos seios para que a criança os rejeite pelo gosto ou ainda com mentiras, enganações e choques visuais, como exemplo usar um band-aid nos seios e dizer a criança que estão machucados.

A amamentação é algo TÃO importante na vida da mãe e da criança, foi o início de comunicação entre mãe e filho, foi fonte de nutrição, de afeto e não deve terminar de uma maneira brusca, com artifícios, enganações, mentiras, fazendo com que a criança talvez se sinta culpada por ferir sua mãe. Essa é uma responsabilidade e culpa enormes que são transferidas para o filho no evento de um desmame repentino. 

Quando perde o peito de repente, a criança se sente desolada, sofrendo uma perda, pode se sentir rejeitada pela mãe, gerando insegurança e muitas vezes rebeldia. A perda repentina do seio materno pode causar trauma emocional na criança, já que amamentação não é somente fonte de nutrição para o bebê, mas fonte de segurança e conforto emocional também. Não há absolutamente como explicar a um bebê que repentinamente não pode mamar mais. 

Desmames abruptos não permitem que ambas partes físicas e emocionais de mãe e filho sejam trabalhadas gradualmente. Por outro lado, ao promover um desmame gradual pode-se compensar aos poucos outros tipos de atenção para compensar a perda do contato íntimo da amamentação.

Na mãe, o desmame abrupto pode resultar em ingurgitamento mamário, bloqueio de ducto lactífero e mastite, além de tristeza ou depressão, por luto pela perda da amamentação ou por mudanças hormonais. Depressão pode surgir por um decréscimo abrupto dos níveis hormonais maternos, portanto mães com história anterior de DPP devem especialmente atentar para as consequências de um desmame abrupto. 

O desmame deve ser natural, consensual, em acordo entre mãe-filho, isto é, haverá um tempo e um ritmo próprio, um período da vida da mãe e do filho em que ambos aprendem a dar e receber alimento, aconchego e a se comunicarem de uma maneira nova, que não com os seios. São portanto três elementos a serem considerados de grande importância na amamentação: nutrição, afeto e comunicação. Quando os três itens estão plenamente supridos sem a amamentação num processo de autonomia e maturidade vindo da criança, um desmame gradual pode ser promovido.

Em outras palavras, deve ser resultado de uma maturidade da criança e não uma imposição da mãe ou de outros familiares ou conhecidos, ou ainda médicos. No segundo ano de vida a criança necessita de vários estímulos, brincar, cantar, dançar, adquire destrezas motoras, e começa o linguajar, que é uma forma poderosa de comunicação. Quando uma criança está em um ambiente seguro, rico em estímulos, recebe carinho e atenção também do pai, ela está mais apta ao desmame total com facilidade. 

Em termos de desenvolvimento, um desmame antes de 2-3 anos é precoce, o bebê ainda precisa mamar, ainda está em processo de individualização, ainda está na fase oral, os benefícios são muitos, enquanto que a troca por objetos para saciar a necessidade oral não apresenta vantagem alguma. 

As consequências para o cérebro em desenvolvimento de um bebê que é submetido a mudanças permanentes e abruptas, com interferência de estranhos, choro sem consolo, negação de afeto e violência emocional podem ser drásticas.

Bons vínculos
Texto de Claudia Rodrigues, jornalista e terapeuta reichiana, sobre desmame e vínculos: O desmame abrupto é o pior dos desmames. Quando a mãe retira a criança do peito forçando a introdução da mamadeira retira da criança um prazer evidente e inimitável, cujo calor, textura, cheiro e sabor jamais serão imitados.

A criança pode acostumar com o objeto substituto do seio, a mamadeira, e com o novo líquido não apresentando qualquer sintoma imediato, mas é bastante comum que poucos meses após um desmame abrupto comecem a ocorrer distúrbios de comportamento alimentar.

Mais cedo ou mais tarde a decepção por ter perdido algo que era tão caro à criança, começa a ser processado. As somatizações, como alergias e intolerâncias a alimentos nem de longe são os piores sintomas. Pode ter menos sorte psíquica a criança que não somatiza nos primeiros anos.

O mais cruel e nocivo dos desmames abruptos é aquele que faz com que a criança prove no seio da mãe algo ácido, azedo ou amargo, especialmente quando isso é associado a uma visão terrível (seios pintados, com band-aid, etc) do seio, objeto que até então só trazia prazer e que aparece repentinamente como algo assustador.

Esses sentimentos e impressões ficam inscritos no córtex para o resto da vida, a confusão entre prazer e desprazer ficará gravada e um dos sintomas mais comuns será a inabilidade da pessoa para acreditar que merece prazer e que ele pode ser algo perene, confiável. Perdurará a impressão de que o prazer pode a qualquer momento virar uma ameaça. Nos piores casos a pessoa não consegue buscar o prazer, já caminha diretamente para a punição.

A amamentação é o prazer absoluto do bebê e ele deve aos poucos, conforme for crescendo, colocar outros prazeres em sua vida até sentir-se apto para se desligar desse primeiro vínculo com sua pulsão pelo prazer.


A mãe pode retirar o peito, mas isso deve ser feito gradualmente, jamais via truques mirabolantes com requintes de perversão e sabotagem ao prazer do bebê.

Não inicie um processo de desmame em momentos conturbados na vida, como início de escola, retorno da mãe ao trabalho, separação dos pais, mudança de casa, doença ou qualquer situação de grande mudança.Texto excelente de Dra. Elsa Giuliani, pediatra, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da SBP. Trecho pertinente:

Já se avançou muito na valorização do aleitamento materno nos últimos tempos. A recomendação da duração da amamentação passou de 10 meses na década de 30 para dois anos ou mais nos dias de hoje. Atualmente, fala-se em desmame natural como a forma ideal de desmame, sem especificar uma idade mínima ou máxima para que esse processo ocorra. Apesar desse avanço ainda estamos longe de encararmos o desmame como um marco do desenvolvimento da criança. Para chegarmos a este estágio, faz-se necessário entender e enfrentar as circunstâncias que, segundo Souza e Almeida, “ultrapassam a natureza e desafiam a cultura e a sociedade”.

Segue o relato da mãe Eidi sobre uma situação que fez a filha sofrer como se fosse um desmame abrupto:
Meninas, um dia minha filha estava doentinha e só queria mamar, chegou uma hora que eu disse tranquilamente "filha acabou o mamá, vamos papar tá", ela almoçou (por volta das 13h) e depois disso não mamou mais, chorava, colocava a boca no peito e chorava e não sugava, colocava a cabeça para trás, nesse dia pela primeira vez na vida dela dormiu sem mamar e eu sem entender nada, quando foi de madrugada lá pelas 3h ela acordou chorando muito e dizia "cabou mamá", "cabou", e ali eu entendi o que havia acontecido: ela pensou que havia acabado para sempre então ela nem sugava. Fiquei insistindo com ela até que lá pelas 4h ela pegou e voltou a mamar normalmente. Desde esse episódio, tomo muito cuidado com o que eu digo à Sofia, ela tinha pouco mais de 11 meses e foi capaz de atribuir um sentido definitivo àquela frase.

Esse é o relato e reflexões de Fernanda sobre o desmame abrupto de sua filha mais velha:
Desmamei a minha mais velha abruptamente com 1 ano e 4 meses. Coisa que demorei a perceber que não foi legal. Durante um tempo, tive o discurso do "era a única forma, foi o melhor para ambas e não deixou sequelas". 
Mas consegui felizmente rever minha posição (infelizmente não posso voltar no tempo para desfazer as coisas). Eu me sentia extremamente cansada, ela acordava diversas vezes para mamar, dormia mal, comia mal.
O desmame noturno (era essa minha intenção inicial) parecia a solução para os meus problemas. Apliquei uma espécie de Dr. Gordon (nem conhecia na época), mas no último estágio já.
Decidi que ela não mamaria de meia noite às seis da manhã. Obviamente que ela pediu para mamar e eu neguei e ela chorou bastante. Pelo menos não ficou sozinha, eu fiquei com ela no colo tentando ninar, até que dormiu, mas quase às cinco da manhã.
No dia seguinte ainda mamou algumas vezes e no terceiro dia não pediu mais, nem de noite nem de dia.
E eu pensei, meus problemas acabaram. Ledo engano. Ela continuou a comer mal e acordar todas as noites durante mais 1 ano quase.
Analisando hoje, percebo que ela vinha de um rotavírus (com 1 ano e dois meses), quando ficou praticamente só peito por quase 15 dias e do carnaval, quando ficamos juntas durante 1 semana. Depois retornei ao trabalho e ela à creche, e obviamente que ela transferiu todo esse contato para a noite.
Na época, o cansaço extremo e a falta de apoio (já que eu só ouvia "ela é muito grande para ainda mamar") fizeram com que eu não enxergasse o óbvio.
O desmame ainda trouxe outros problemas, como a alergia ao LV.
Hoje, tenho a oportunidade de fazer diferente com a mais nova, agora com 1 ano e 3 meses, igualmente alérgica a LV (mas no caso dela mais grave, a alergia manifestou-se ainda recém-nascida e faço dieta de LV e derivados desde então).
Ela é uma menina feliz, esperta, independente, embora um pouco insegura com grupos e lugares novos, especialmente sem minha presença.
Acredito que o desmame abrupto não a impediu de avançar em vários aspectos, mas que também não foi inocente e salvador como já cheguei a acreditar.
Também preciso dizer que o desmame abrupto trouxe problemas para mim. Duas mastites seguidas, tamanha a quantidade de leite que ainda produzia, mesmo sem estímulo, e ainda precisei tomar remédio para secar.

Em contraste, o relato  de desmame natural da Isabela, filha mais nova da Fernanda: 

Palavras da pediatra Dra. Relva sobre desmame repentino:
“O bebê mama não só para se alimentar mas para criar um ambiente 'interno' benigno, de chamado á vida."

"Aparentemente, após algum tempo o indivíduo será capaz de constituir memórias de experiências sentidas como boas, de modo que a experiência da mãe sustentando a situação torna-se parte do eu, é assimilada dentro do ego" / Winnicott

Então, amamentar vai muito além das proteínas, gorduras e sais minerais”

E trocar o peito por mamadeira ou chupeta?

Peito é peito, é natural, é o primeiro contato que o bebê tem, é sua fonte de nutrição e de sucção não nutritiva natural também. 

Chupeta é uma imitação pobre e artificial do peito, e veio depois do peito, foi inventada. Portanto, na verdade o bebê não faz o peito de chupeta, ele faria a chupeta de peito. No peito ele mama, tem o aconchego dos braços da mãe, leitinho, conforto. Na chupeta não em nada disso, é somente um objeto borrachudo sem cheiro, contato materno, aconchego da mamãe. 

Nesse tópico: 
Chupeta x Dedo x Peito

Mitos de amamentação X realidade

Mito 13: Sugar sem o propósito de alimentar-se (sucção não nutritiva) não tem objectivo. Realidade: as mães com experiência em amamentação aprendem que os padrões de sucção e as necessidades de cada bebê variam. Ainda que as necessidades de sucção de alguns bebés sejam satisfeitas primordialmente quando mamam, outros bebês requerem mais sucção ao peito, mesmo quando tenham acabado de mamar a alguns minutos. Muitos bebês também mamam quando têm medo, quando se sentem sós ou quando sentem alguma dor. 

Mito 14: As mães não devem ser a "chupeta" do filho. Realidade: consolar e suprir as necessidades de sucção ao peito é o que preparou a natureza para mães e filhos. As chupetas são um substituto da mãe. Outras razões para oferecer a mama para acalmar o bebê incluem um melhor desenvolvimento oral e facial, o prolongamento da amenorreia, evitar a confusão de sucção e estimular uma produção adequada de leite que assegure um índice mais elevado de êxito da amamentação. Além disso, um bebê tranquilo que encontra consolo em sua mãe, terá um desenvolvimento emocional fortalecido

Desmames não ajudam no sono, são inúmeros relatos na comunidade.

Quando há troca do seio materno por um consolo oral em objetos a tendência é de um apego a objetos oralizantes, num hábito prolongado.

Acordar a noite faz parte da natureza do sono dos bebês, veja esses textos:

8 fatos sobre o sono dos bebês que todo pai e toda mãe deveriam saber
Quando deixam de acordar à noite - resultado de pesquisa

E se o bebê está muito apego e dependente de mim, o desmame não ajudaria?

Desmames não promovem independência, pelo contrário. O peito não é responsável pelo comportamento do bebê, e sim pela própria FASE de desenvolvimento que se encontram. Leituras essenciais:

A natureza da dependência, artigo excelente e esclarecedor!

A necessidade de Apego, do livro ‘The science of parenting’

E o se o bebê não quer comer? 
O desmame não vai melhorar o apetite do bebê, pois é natural e esperado que depois de 1 ano seu apetite diminua mesmo, conforme sua fase de desenvolvimento. 

E se o bebê acorda constantemente depois de 1 ano para mamar?

Precisamos analisar sua rotina (ou falta de), apego e proximidade entre mãe e filho, alimentação (produtos industrializados e açúcares prejudicam o sono), existência de ritual de sono, sonecas restauradoras, maneira de adormecer, uso de TV e outros fatores.

No caso de confirmarmos uma associação de sugar para dormir existem alternativas suaves para desmame noturno, mantendo-se a amamentação durante o dia, como RG (Remoção Gentil):

Método Remoção Gentil (RG) para crianças que associam sugar com dormir:


Preciso tomar medicamentos e o médico ordenou o desmame! 
A maioria dos medicamentos é compatível com amamentação. Pesquise antes de promover um desmame precoce.

Remédios compatíveis com a amamentação



Acho que chegou mesmo a hora e não quero esperar pelo desmame espontâneo, como faço o desmame gradual? 

Dicas do livro "Gentle Baby care", de Elizabeth Pantley
Tradução: Fernanda Mainier
Revisão: Luciana Freitas

Primeira é importante a questão: PORQUE desmamar? Pergunte-se a razão da sua decisão. Não há uma época definida para o desmame, pois esse processo é muito diferente para cada mamãe e bebê. Não há uma razão padrão para a decisão do desmame. As razões são tão variadas quanto as próprias mães e crianças amamentadas. Cada filho seu vai precisar de uma decisão separada sobre o desmame.

1) devagar é melhor: se você permitir que o processo ocorra gradualmente (num período de alguns meses), seu bebê e seu corpo irão se ajustando fazendo o processo mais fácil para ambos.

2) o primeiro passo para o desmame -> tente o método: "não ofereça, não recuse". Isso funciona como um "teste" de quão fácil ou difícil o desmame será. Continue amamentando quando seu bebê pedir, mas não ofereça o tempo todo, automaticamente como algumas mães até acostumam a fazer.
O que pode ser surpreendente é descobrir que algumas crianças estão tão prontas quanto às mães para começar o processo de desmame. Nesse caso, elas estarão abertas a uma rotina que não inclua amamentação.

3) distração funciona! Bebês são ativos, ocupados sempre, tire proveito dessa característica e tente distraí-lo com alguma coisa na hora que ele pede para mamar. Por exemplo, se seu filho geralmente mama quando acorda, você pode chegar com um brinquedo legal ou abrir as janelas e convide-o para ver os passarinhos lá fora. Nas primeiras vezes que você fizer isso seu bebê pode ficar confuso e reclamar um pouco, mas persista um pouco com a distração. Tente mais algumas vezes, mas se o bebê reclamar, chorar muito, amamente. Continue tentando de novo mais pra frente, um belo dia seu bebê vai te surpreender e pedirá pra abrir a janela para ver os passarinhos. Na hora de dormir, uma dica: se você sempre dá de mamar após contar uma estória, prolongue essa estória de modo que ele durma antes do fim.

4) Num minutinho: a tática do "atraso": "Você pode mamar depois que eu terminar de dobrar as roupas", aí quando você olhar ele vai estar ocupado com outras coisas. Ofereça o peito após terminar com as roupas, se seu bebê ainda quiser. Isso reforça a confiança e mostra ao seu bebê que você não está ignorando suas necessidades. Você pode até tentar mais atraso: "Vamos esperar a hora da soneca".
Isso pode ser um modo efetivo de reduzir o número de sessões de amamentação diária.

5) Substitua leite materno por comidas sólidas: Outra técnica que pode ajudar é substituir a mamada por mais comidas (se seu bebê já come e gosta comidas solidas, mais de 1 ano de idade). Se isso já acontece você pode tentar substituir outras formas de conforto e atenção das mamadas por coisas como ler livros, abraços, brincar juntos.

6) Evite seus cantinhos de mamar: a maioria das mães tem um ou dois lugares favoritos para mamar, uma poltrona por exemplo. Se você quiser encorajar o desmame evitar esses lugares que podem despertar no seu bebê o desejo de mamar. Encontre outros lugares e combine essa dica com a técnica de distração (número 3).

7) Encurte as sessões de mamar: outro passo em direção ao desmame é encurtar o tempo que você geralmente amamenta seu filho, e tente incluir uma distração no final da sessão.

8) Substitua brincar por mamar: Algumas mães (às vezes mesmo sem perceber) usam a hora de amamentar como uma maneira de ter um tempo quieto e relaxante com seus bebês. Faça uma decisão consciente de substituir essa sessão de mamar por uma sessão de brincadeiras, em que você dá atenção completa o tempo todo. Seu bebê pode ficar tão contente com isso que poderá até esquecer de pedir para mamar.

10) A dança do desmame: não se surpreenda se seu bebê "captar" seu desejo de desmamar e de repente pedir para mamar como um recém-nascido! Essa é uma resposta natural a uma grande mudança na vidinha deles. Se você atender os desejos e der de mamar por 1-2 dias, isso geralmente passa, e você pode seguir em frente na direção do desmame de novo.
Geralmente o progresso de "amamentar o tempo todo" para o "não amamentar" NÃO é uma linha reta, é mais como uma dança. Mas se você guiar essa dança com afeto e sensibilidade, você acabará dançando no ritmo que escolheu.

Texto organizado por Andréia C. K. Mortensen

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